“Chicago recebe sempre, neste período do ano, o maior evento do mundo no setor de alimentação preparada fora do lar. São estimados 55 mil participantes que discutem o presente e o futuro, que já vinha se transformando na pré-pandemia e se reconfigurou nos anos recentes.
O Brasil participa com diversas empresas nos setores de alimentos e equipamentos expondo na feira, mas também com uma delegação de mais de 600 dirigentes, executivos e profissionais do setor.
As discussões e os debates envolvem questões ligadas a alimentos, bebidas, design, conceitos, equipamentos, novas propostas, menus e saudabilidades dentro do universo do foodservice. Mas, de forma crescente e quase dominante, a tecnologia aplicada para a melhoria da experiência, a racionalização de custos e o aumento da produtividade, num cenário de crescentes desafios envolvendo inflação, carência de mão de obra e consumidores que cada vez têm mais alternativas e expectativas ainda mais altas.
É ainda mais destacado um outro nível de mudanças, em especial no pós-pandemia, que está alinhado com relacionamento, conhecimento, experiência e vivências que são profundamente dependentes do fator humano e que nas áreas de serviços e soluções se tornam fator ainda mais crítico.“
No período pré-pandemia, o foodservice já vivia forte expansão global pelas transformações de hábitos e atitudes que determinavam um aumento da participação desse setor em relação ao dispêndio com alimentos de forma mais ampla.
Isso tinha e tem muito a ver com mudanças mais estruturais: quanto mais madura for a sociedade, mais ela consome serviços e soluções. E o setor de alimentos é a maior exemplo dessa transformação, com uma redução nos gastos para comprar e preparar refeições e uma maior participação dos produtos prontos para consumir.
Esse quadro mostrava que praticamente 50% de tudo o que se consumia de alimentos nos EUA era gerado pelo foodservice. No Brasil, esse percentual, há 20 anos, era próximo de 22% e esse número avança para chegar aos 40% nos próximos anos.
Vale lembrar que nos EUA o fast-food, que é apenas uma parte do universo do foodservice, é o segundo maior empregador privado do país, depois dos hospitais, e que 84 milhões de norte-americanos usam essa opção por dia.
Mas esse processo de expansão da participação do foodservice de forma mais ampla foi, também, potencializado pelo crescimento da ênfase na conveniência, no aumento da participação feminina no mercado de trabalho, na mudança estrutural do emprego e em outros fatores.
O período da pandemia colocou elementos novos nessa equação, com o aumento marcante na oferta de alternativas e das opções de delivery, além de acelerar ainda mais a migração de dispêndios com serviços de forma geral. Sem esquecer os problemas estruturais de emprego, que criaram dificuldades adicionais para os setores de varejo e hospitalidade, que passaram a ser discriminados pela carga e intensidade de trabalho.
Mas o avanço da economia digital e as transformações precipitadas nos hábitos de compra e consumo também tiveram impacto na busca da reconfiguração de lojas físicas, centros comerciais, shopping centers, estações de transporte, centros de convívio e escolas que, atendendo à demanda emergente, se reposicionaram para ampliar tudo o que envolvesse serviço, experiência e solução.
Nessa lógica, foram incorporadas novas alternativas para atender às demandas emergentes, diversificar a oferta e gerar experiências imersivas, combinando alimentos, bebidas, relacionamento, soluções e experiência, inclusive com o uso de mais tecnologia, digital e Inteligência Artificial para antecipar demandas, preferências, individualizar e fidelizar.
De forma mais abrangente, isso explica que as lojas de departamentos na Europa estão ampliando sua oferta de áreas de alimentação, serviços e espaços gourmet. Nos Estados Unidos, a Nordstrom opera perto de 400 restaurantes e cafés em suas lojas ou fora delas. A Ralph Lauren criou restaurantes temáticos integrados. Ou mesmo aqui, no Brasil, a Track&Field montou uma área de lanches e cafés.
Assim como a incorporação e a expansão de espaços de cafés e bares em diversas redes de lojas como parte de uma nova e mais envolvente experiência no processo ampliado, que envolve pesquisa, escolha, compra e consumo de alimentos e bebidas junto a outros produtos ou apenas na proposta de relacionamento.
Para compensar a conveniência, facilidade, agilidade e o valor do comércio digital, a experiência personalizada, o relacionamento e a interação proporcionados pela alimentação fazem parte da solução.
O foodservice na realidade brasileira atual
Os dados do primeiro trimestre de 2024 no mercado brasileiro como um todo trouxeram diferentes perspectivas, com alguma recuperação para os principais operadores de varejo em seus segmentos e problemas sendo enfrentados por outras empresas que não conseguiram fazer os necessários ajustes.
O elevado endividamento das famílias continua a ser uma barreira para o aumento mais forte do consumo, apesar da melhoria do emprego e da renda real.
Nesse cenário, o setor de foodservice teve um crescimento conservador no primeiro trimestre, segundo dados divulgados pelo Instituto Foodservice Brasil (IFB), com aumento de apenas 1% nos gastos, em relação ao mesmo trimestre de 2023, atingindo o valor total de R$ 49,7 bilhões. Por outro lado, o tráfego nas lojas do setor teve queda de 2%, com um total de 2,5 bilhões de transações.
Cresceu, no entanto, o ticket médio, que atingiu R$ 19,92, seu maior nível histórico.
Um dos elementos em que o mercado brasileiro está realmente defasado em relação ao mercado internacional diz respeito à incorporação do foodservice como opção nos supermercados e atacarejos.
Enquanto nos EUA, na Europa e Ásia, redes como Whole Foods, Wegmans, Dominick’s, Tesco, Costco, BJ’s e muitas outras ampliaram de forma marcante sua oferta de alimentos prontos para consumo, como demandado pelo consumidor, no Brasil, a percepção sobre o tema é menos relevante e o setor está, de fato, defasado em relação ao que é esperado.
Para fechar
A expansão e a vitalidade no setor de foodservice no mundo são uma realidade não só no seu papel primário de alimentar, mas também, e cada vez mais, na complementariedade para a criação de experiências, soluções, envolvimento e relacionamento com as marcas.
No curto prazo, no Brasil, o setor tem menor vigor na sua expansão pelos elementos econômicos ainda presentes como legado da pandemia, mas é inegável que sua trajetória de crescimento de médio e longo prazos está assegurada pelos investimentos, atenção, conhecimento e inovações que as empresas têm buscado e colocado à serviço do mercado.
Nota: No Latam Retail Show, de 17 a 19 de setembro, no Expo Center Norte, em São Paulo, haverá especial ênfase, conteúdo e programação dedicados às discussões dos impactos das transformações na alimentação e no foodservice, com a presença de marcas, negócios e iniciativas que mostram caminhos que estão sendo percorridos na integração virtuosa de negócios e desses setores para enfrentar os desafios. O evento terá transmissão virtual de parte do conteúdo para os que não puderem participar presencialmente.
Marcos Gouvêa de Souza é fundador e diretor-geral da Gouvêa Ecosystem e publisher da plataforma Mercado&Consumo.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
Imagem: Divulgação/Track & Field