A pandemia de covid-19 trouxe mudanças profundas em diversas indústrias, e a têxtil não foi exceção. As disrupções nas cadeias de suprimentos globais, os atrasos no transporte e o aumento dos custos logísticos expuseram a vulnerabilidade dos modelos tradicionais de produção. Nesse cenário, o conceito de nearshore, ou seja, a transferência de processos de produção para localidades mais próximas do mercado consumidor, ganhou relevância e está transformando a cadeia de produção da moda.
Historicamente, a indústria têxtil tem se apoiado em estratégias de produção offshore, com fábricas localizadas em países asiáticos devido aos custos reduzidos de mão de obra. No entanto, a dependência de fornecedores distantes começou a mostrar suas limitações durante a pandemia, levando grandes marcas de moda a reconsiderarem suas cadeias de suprimentos.
Enquanto no onshore as operações de produção permanecem próximas à sede da empresa, o nearshoring oferece maior proximidade geográfica entre a produção e o consumo, permitindo às marcas responderem de forma mais ágil às flutuações de demanda e às tendências de mercado. Além disso, a produção mais próxima facilita o controle de qualidade e reduz os riscos associados a longas escalas de fornecimento.
“Não depender de mercado tão distante diminui o impacto ambiental da logística”.
Essa proximidade permite que marcas e fabricantes colaborem de forma mais estreita, acelerando o processo de desenvolvimento de produtos e permitindo uma resposta mais rápida às tendências de moda e às mudanças nas preferências dos consumidores. Essa agilidade é crucial em um mercado em que a velocidade e a capacidade de adaptação são diferenciais competitivos. Produzir em locais mais próximos facilita o controle rigoroso de qualidade.
As marcas podem monitorar de perto os processos de produção e a sustentabilidade, garantindo que os padrões de qualidade sejam mantidos consistentemente. Isso é especialmente importante em um mercado em que a qualidade dos produtos pode impactar diretamente a reputação da marca.
Com as crescentes preocupações ambientais, o nearshore oferece uma oportunidade para a indústria têxtil reduzir sua pegada de carbono. A produção em locais mais próximos diminui a necessidade de transporte de longa distância, resultando em emissões menores de CO2. Além disso, a proximidade facilita a implementação de práticas sustentáveis, como o uso de materiais ecológicos e processos de produção mais limpos.
“Não existe sustentabilidade produzindo e comprando de outro continente”
O Brasil, com sua localização estratégica na América Latina e vasta disponibilidade de recursos naturais, como o algodão, possui uma base industrial robusta, o que o coloca em uma posição favorável para se tornar um hub de nearshore no setor têxtil, atendendo tanto o mercado interno quanto exportações para regiões próximas. Como grande potência na área, acredito que o País pode aproveitar essa tendência de nearshore para revitalizar sua indústria.
Para se ter uma ideia da nossa força, segundo a Abit, a indústria têxtil e de confecção do Brasil é uma das cinco maiores do mundo, composta por cerca de 24 mil empresas, desde a produção de fibras até a confecção de vestuário, empregando aproximadamente 1,3 milhão de trabalhadores. Em 2022, o Brasil produziu 2,1 milhões de toneladas, o que garantiu o faturamento total de R$ 193 bilhões, sendo que US$ 4,8 bilhões oriundos das exportações.
Devido ao tamanho do mercado interno brasileiro e às políticas históricas de incentivo à produção local, o onshoring ainda predomina. No entanto, o nearshoring está crescendo em importância, à medida que empresas globais buscam alternativas mais próximas de seus mercados consumidores, especialmente em setores em que o Brasil tem vantagens competitivas específicas.
No contexto do fast fashion — que busca uma moda rápida e acessível, caracterizada pela produção de roupas em grandes quantidades e em ciclos curtos para atender às tendências de moda de maneira quase instantânea, a Renner é um exemplo interessante para discutir o nearshoring. A empresa possui um foco significativo na produção local e regional, com uma parte considerável de suas mercadorias sendo fabricadas no Brasil e em países próximos, como a Argentina e o Paraguai. Outro exemplo é a C&A que tem uma presença significativa em países da América Latina, incluindo o Brasil, onde mantém parte de sua produção próxima ao mercado consumidor.
O foco em sustentabilidade está moldando a adoção de estratégias nearshore. Marcas como Patagônia e Stella McCartney estão liderando o movimento de moda sustentável, priorizando a produção em regiões que podem oferecer materiais de origem ética e práticas de trabalho justas, sem comprometer a agilidade e a qualidade.
O nearshore está redefinindo a cadeia de produção da indústria têxtil e de moda, oferecendo uma solução para os desafios de um mundo pós-pandêmico. Com benefícios claros em termos de agilidade, controle de qualidade e sustentabilidade, essa tendência está posicionada para continuar ganhando força. À medida que mais marcas adotam essa estratégia, a indústria têxtil pode se tornar mais resiliente, adaptável e alinhada às demandas de um mercado em constante evolução.
Vejo muito claramente que o futuro pode ver um equilíbrio maior entre esses dois modelos, especialmente com as mudanças na economia global e nas escalas de suprimentos pós-pandemia, gerando empregos e receitas locais, e diminuindo o impacto logístico. A adoção do nearshore não é apenas uma resposta às disrupções recentes, mas uma evolução natural em direção a um futuro mais sustentável e eficiente em toda escala têxtil e de confecção, até chegar no consumidor final.
Hélvio Pompeo Madeira Junior é diretor de Negócios do Febratex Group.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo
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