Pronunciamento em rede nacional de televisão, notas emitidas pela operação brasileira, pelo CEO global e pelo conselheiro Abilio Diniz e comprometimento com mudanças. Esse foi o movimento feito nos últimos dias pelo Carrefour depois da morte de um homem numa loja da cidade de Porto Alegre (RS).
João Alberto Silveira Freitas, um homem negro de 40 anos, foi morto na noite de quinta-feira (19) por dois seguranças. O primeiro resultado da necropsia aponta que a causa da morte foi asfixia. Os agressores foram presos, suspeitos de homicídio doloso.
O caso gerou indignação em todo o País. Na sexta (20, Dia Nacional da Consciência Negra), cerca de 2.500 mil pessoas se reuniram em um protesto em frente ao acesso principal da loja. Um grupo tentou invadir o supermercado fechado, mas foi contido pela Brigada Militar. No mesmo dia, em São Paulo, manifestantes quebraram o portão de ferro e a fachada de vidro de uma unidade da Rua Pamplona, na região central, que foi depredado. Um princípio de incêndio foi controlado.
A empresa se manifestou diversas vezes nos últimos dias. Na noite de sábado, o CEO do Carrefour Brasil, Noel Prioux, apareceu no horário nobre em rede nacional de televisão fazendo um pronunciamento. “O que aconteceu na loja do Carrefour foi uma tragédia de dimensões incalculáveis, cuja extensão está além da minha compreensão como homem branco e privilegiado que sou. Antes de tudo, meus sentimentos à família de João Alberto. E meu pedido de desculpas aos nossos clientes, à sociedade e a nossos colaboradores”, disse.
Ele completou: “Se uma crise como essa está acontecendo conosco é porque temos a responsabilidade de mudar isso na sociedade. A morte de João Alberto não pode passar em vão.”
O vice-presidente de Recursos Humanos da companhia, João Senise, também se pronunciou no vídeo. “O que aconteceu em nossa loja não representa quem somos e nem os nossos valores. 57% dos nossos funcionários são negros e negras. E mais de um terço dos gestores se declaram pretos ou pardos. Mas não é o bastante. Precisamos de mais ações concretas e efetivas para maior promoção da diversidade”, disse.
Recursos para o combate ao racismo
Anteriormente, a rede havia emitido nota classificando o caso como “lamentável e brutal”. Informou que o resultado de lojas Carrefour no Brasil da sexta-feira seria revertido para projetos de combate ao racismo no País. A empresa abriu as lojas do grupo em todo o Brasil duas horas mais tarde no sábado para reforçar as normas de atuação exigidas pela empresa a seus funcionários e empresas terceirizadas de segurança.
O Carrefour também rompeu o contrato com a empresa que responde pelos seguranças envolvidos no caso e demitiu o funcionário que estava no comando da loja no momento do ocorrido. “Reiteramos que, para nós, nenhum tipo de violência e intolerância é admissível, e não aceitamos que situações como estas aconteçam. Estamos profundamente consternados com tudo que ocorreu e acompanharemos os desdobramentos do caso, oferecendo todo suporte para as autoridades locais.”
Depois dessa nota, o CEO global do Carrefour, o francês Alexandre Bompard, se pronunciou pelo Twitter. Ele disse que as medidas até então tomadas pelo Carrefour Brasil eram insuficientes e pediu uma “revisão completa das ações de treinamento dos colaboradores e de terceiros”. Ele afirmou que pediu para as equipes do Grupo Carrefour Brasil total colaboração com a Justiça e autoridades para que os fatos do que classificou como “ato horrível” sejam trazidos à luz.
“Peço, neste sentido, que seja realizada uma revisão completa das ações de treinamento dos colaboradores e de terceiros, no que diz respeito à segurança, respeito à diversidade e dos valores de respeito e repúdio à intolerância”, disse Bompard. Segundo ele, esta revisão será acompanhada de um plano de ação “definido com o suporte de empresas externas para garantir a independência deste trabalho”.
Empresa como “agente transformador”
O empresário Abilio Diniz também usou o Twitter para se tratar do caso e se disse “profundamente triste e indignado”. “Como acionista e conselheiro do Carrefour, pedi à empresa que não meça esforços e trabalhe incansavelmente para que fatos trágicos como este jamais se repitam no Brasil. E mais, que o Carrefour se organize para ser um agente transformador na luta contra o racismo estrutural no Brasil e no mundo.”
A fabricante de bebidas Ambev publicou uma nota no perfil oficial do LinkedIn sobre o caso. A empresa cobrou “medidas imediatas e efetivas” e se comprometeu a trabalhar junto com parceiros “para promover mudanças estruturais com urgência”. “Temos o compromisso inegociável de promover a equidade racial em todo o nosso ecossistema, o que inclui os nossos parceiros, clientes e fornecedores, e estamos prontos para trabalhar junto com eles para promover mudanças estruturais com urgência”, disse.
Para o diretor de Marketing da Gouvêa Ecosystem, Célio Martinez, o caso demonstra a necessidade do envolvimento de parceiros estratégicos no processo de cultura e valores da empresa.
“A reversão da imagem virá com uma mudança cultural que exigirá que a empresa apresente seus valores por meio de importantes atitudes perante a sociedade. Não é exclusivamente um trabalho de estratégia de comunicação, é um processo de 360º, que envolve todas as áreas e, principalmente, as pessoas. A comunicação terá como responsabilidade demonstrar todo o processo de mudança – que não pode ser mais prorrogado. A empresa tem de ter uma atitude corajosa e mostrar a face verdadeira, dar as caras e, de fato, assumir a falha e começar a virada da percepção a partir de agora”, pontua.
Para o executivo, a empresa deve demonstrar, por meio de indicadores, seu posicionamento firme e a exigência de uma postura semelhante por parte de fornecedores e colaboradores.
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