Muito tem se falado sobre como o conceito de comunidade tem moldado o marketing nos dias de hoje. A importância dos influencers em engajamento e o poder das redes sociais no relacionamento dos consumidores com as empresas estão aí para mostrar que essa era veio para ficar.
No entanto, o que continua nos surpreendendo são as novas e disruptivas formas que algumas marcas têm encontrado para continuar trazendo este senso de comunidade em experiências reais, mesmo em um mundo de distanciamento social.
Uma das indústrias com grande impacto e que precisou fazer mudanças radicais para sobreviver no mundo pós-pandemia é a indústria fitness. Alguns players que já tinham ações multicanais previamente tiveram maior sucesso nessa adaptação. E, entre essas, duas empresas têm recebido grande destaque nos meios de comunicação: Peloton e Mirror.
O que a gente pode aprender com essa reinvenção do segmento e como aplicar em outras indústrias?
A resposta está parcialmente em um conjunto de serviços e produtos de qualidade, além de uma entrega atenta e impecável, que se mantém em constante atualização. Até aqui, não existem grandes novidades para esta receita de sucesso.
Porém, o grande diferencial está em ressignificar as palavras conveniência e portabilidade – tudo isso repensando o modo de se viver uma experiência de comunidade nos dias atuais.
Em ambas as marcas, tanto na Mirror quanto na Peloton, a proposta é trazer, em um único dispositivo, a experiência completa da academia na sua casa.
Na primeira, isso ocorre por meio de um espelho de corpo inteiro, que a princípio parece apenas mais um artigo de decoração minimalista e moderno, mas, quando em funcionamento, traz a academia para o conforto da sua casa.
Já na Peloton é possível acessar as aulas de qualquer dispositivo. O grande diferencial da empresa – e o que mais tem gerado buzz – é a bicicleta de spinning que pode ser adquirida por U$$ 2 mil. Além de uma bicicleta ergométrica de alto padrão, o aparato contém uma tela na qual o usuário pode encontrar uma miríade de aulas, para todos os tipos e gostos, podendo ser ao vivo, em tempo real ou pré-gravadas.
Relatos de usuários dizem que as aulas são boas, mas que o diferencial mesmo é a comunidade: dividir marcos importantes, comemorar conquistas junto com colegas de aula, interagir em tempo real – quando menos se dá conta, o aluno percebe que está incentivando e aplaudindo alguém que provavelmente está a centenas de quilômetros de distância – ou mais, e sendo encorajado de volta.
Estas iniciativas não são recentes. A Peloton, por exemplo, existe desde 2012. Mas foi durante o ano de 2020 que cresceu em maior escala – mesmo com um produto de alto ticket -, o que mostra a demanda reprimida de uma experiência autêntica da comunidade em um momento de distanciamento social.
A empresa está sendo chamada de Netflix das academias por causa do modelo de negócio que apresenta. Porém, é muito mais do que streaming e portabilidade. Para fazer um paralelo, seria como se a Netflix permitisse a experiência do cinema em casa, não só fornecendo o filme, a tela gigante, a pipoca e o som em qualidades excepcionais, mas também duas mil pessoas rindo, comentando, assistindo em tempo real a mesma sessão que você – só que cada interagindo da própria casa. Ainda por cima, com uma diversidade de opções inédita: mais de 10 mil salas à disposição, a qualquer momento ou hora do dia, de onde estiver.
No mundo de hoje, fomos obrigados a ultrapassar as barreiras da interação física e ressignificar o conceito de conveniência. Agora, estamos ressignificando o conceito de experiência: quem poderia imaginar que uma atividade física que antes era praticada em salas fechadas, com pessoas se exercitando juntas, próximas, interagindo e conversando seria factível em um mundo pós-2020? Agora, é possível.
Com isso, nos resta perguntar: como seu setor pode aprender com este movimento e também se beneficiar do poder da comunidade, trazendo engajamento e experiência únicos, em um mundo que cada vez mais anseia pela interação social?
Muito mais está por vir. O universo do consumo está mudando rapidamente. É preciso acompanhar de perto as tendências de comportamento para se tornar perene em um contexto tão dinâmico.
Vólia Simões é diretora de Estratégia e Consumer Insights na Mosaiclab
Imagem: Envato/Arte/Mercad&Consumo