A notícia de que o Pão de Açúcar vendeu 71 lojas ocupadas por hipermercados Extra para o Assaí em transação de R$ 5,2 bilhões reforça o conceito dos ciclos de vida dos formatos de loja no varejo.
Por esse conceito os formatos de lojas têm um ciclo de vida que determina seu nascimento, desenvolvimento, maturidade e depois é seguido de declínio e até eventual desaparecimento. Mas podem existir períodos de reconfiguração que ensejam prolongamento de sua existência.
Assim aconteceu com as lojas de departamentos tradicionais, aquelas com todos os departamentos e seções, com tudo para todos, que foram perdendo espaço no mercado e que foram revitalizadas pelas lojas de departamentos orientadas para moda. Fenômeno que foi muito claro no Brasil com o desaparecimento de Mappin e Mesbla e sua substituição por Renner, Riachuelo, Marisa e outras. Seguindo o que aconteceu no mercado internacional, em especial nos Estados Unidos e Europa.
Da mesma forma como os chamados category killers em esportes, livros e tecnologia surgiram nos Estados Unidos asfixiando as lojas especializadas nessas categorias e foram depois cedendo espaço para novos conceitos.
O crescimento do canal digital pelo e-commerce acelerou dramaticamente o ciclo de vida dos formatos, encurtando a vida de diversos tipos, ou formatos de lojas, pela conveniência e melhor proposta de valor de novas alternativas.
Os hipermercados nasceram na Europa e chegaram ao Brasil pelo Carrefour em 1975. O conceito foi adotado também pelo Pão de Açúcar, que passou a operar mais tarde com a bandeira Extra.
Diz a lenda que Sam Walton, fundador do Walmart, descobriu o conceito de hipermercado quando visitou o Brasil. Ele o levou para os Estados Unidos, tendo criado os Supercenters Walmart a partir da inspiração vista aqui. A diferença entre ambos é que os hipermercados se apoiavam mais nas categorias de alimentos e bebidas, enquanto os supercenters focavam mais o não alimentar, origem da proposta Walmart.
Mas o formato hipermercado vinha há muito tempo perdendo terreno nos mercados mais desenvolvidos por sua “inconveniência”, ou seja, muito espaço, muitas categorias, muitos serviços e dificuldade de manter-se competitivo à medida que crescia a importância dos formatos orientados para valor.
Em especial na Europa, pela pressão vinda dos “hard discounters“, como os de origem na Alemanha Aldi, Lidl e outros, e sua velocidade de expansão com sua proposta de sortimento mais limitado, extrema simplicidade, alta participação das marcas próprias e preços muito competitivos, atendendo a um consumidor, especialmente o europeu, muito mais focado em preços baixos.
Nos Estados Unidos, surgiram os “wharehouse clubs“, ou clubes de atacado, como Costco e Sam’s Club do Walmart, com seu modelo baseado em filiação, com pagamento de uma taxa anual pelo consumidor para poder frequentar a loja e a proposta de que esse valor seria o resultado do negócio e de que todos os benefícios das compras em larga escala e custos mínimos operacionais seriam transferidos para o consumidor.
Surgiram variantes ao modelo, como o cash & carry, com propostas similares oferecendo fundamentalmente preço baixo, a partir de alta venda, localização nas periferias, marcas próprias e poucos serviços gratuitos.
A crise financeira de 2007-2010 nos Estados Unidos foi decisiva para explodir o conceito desses formatos e muitos consumidores que não o conheciam tornaram-se clientes cativos de suas propostas.
O conceito do então chamado Atacarejo ou Atacado de Auto Serviço no Brasil, derivado do cash & carry, sem ou com filiação, já tinha o Makro, que chegou por aqui em 1972 e que era uma alternativa híbrida trazido pelos holandeses da SHV, mas explodiu a partir da evolução de redes como Assaí e Atacadão, ainda hoje líderes desse setor e que foram incorporadas, respectivamente, por Pão de Açúcar e Carrefour.
Hoje o formato tem inúmeros operadores e é o que mais cresce no País. O período crítico da pandemia só acelerou sua participação de mercado, ampliando o setor com suas muitas marcas e variantes.
Sua proposta de valor tem tudo a ver com momentos de crise e redução da renda real que têm sido a tônica dos últimos anos no Brasil, o que explica em boa parte seu sucesso, além da competência dos operadores em manter as bases de sua pragmática e simples proposta de valor.
Os hipermercados seguirão ainda fortes em mercados, regiões e países em desenvolvimento, como na Ásia, África, Índia e outras regiões onde, quando introduzidos, representam um sonho de consumo, com tanta “fartura” de departamentos, categorias e marcas.
No outro extremo, em áreas com consumidores mais maduros, orientados por conveniência e preocupados com o tempo, tenderão a perder participação, substituídos por lojas mais próximas, simples, acessíveis e focadas nas necessidades do micromercado local.
E tudo isso agora revolucionado e potencializado pela expansão do digital para as categorias e alimentos, bebidas, limpeza, higiene e beleza, entre outros, com o desafio de conseguir operar de forma competente em tudo que envolve perecíveis, a última fronteira a ser conquistada pelo e-commerce.
O conceito de ciclo de vida de formatos, agora expandido por canais, segue inexorável acompanhando ou antecipando os movimentos mais estratégicos e estruturais de mudanças de perfil de consumidores, seus desejos, necessidades e prioridades.
Assim caminha a humanidade. Ops, o varejo.
Marcos Gouvêa de Souza é fundador e diretor-geral da Gouvêa Ecosystem e publisher da plataforma Mercado&Consumo.
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