Às portas de 2022 o mundo emerge do difícil período da pandemia pleno de incertezas e com algumas poucas definições. E tendo que aprender a conviver com o imponderável, cada vez mais presente.
No plano sanitário global teremos a convivência com todas as dúvidas precipitadas por diferentes variantes geradas pela covid-19 que parecem ter em comum maior velocidade de contaminação, menor hospitalização e menor grau de letalidade.
A perspectiva assumida de que esse quadro de novas variantes fará parte da vida presente e futura e que deveremos incorporar novos hábitos, limitações, atitudes, protocolos e custos por conta disso.
Nesse capítulo é preciso reconhecer que no Brasil o elevado nível de vacinação coloca o país em situação diferenciada, como mostrou recente análise feita pela The Economist. E vamos combinar que sempre poderia e deveria ser melhor, mas nossa estrutura, processos, tradição de vacinação somados a iniciativas importantes adotadas nos colocaram em situação particular no cenário global.
E seguramente poderia ter sido menos dramático todo o processo vivenciado.
O ambiente econômico será marcado pela perspectiva de um período de inflação alta em muitos países gerada pela redução da oferta pelos problemas de desabastecimento de produtos e serviços. E agravado pela injeção de renda para os segmentos menos protegidos que desestabilizou a oferta de emprego em muitas economias.
Tudo isso deve ser gradativamente equacionado ao longo do ano em vários países europeus e também nos Estados Unidos e Brasil.
Felizmente por aqui temos certa maturidade no tratamento mais direto dos problemas gerados pela inflação, aperfeiçoado agora pela independência do Banco Central.
Mas considerem que as questões que envolvem a inflação, ainda que com tendência de declínio, terão consequências diretas na redução da propensão ao consumo em especial para os segmentos de baixa renda, sempre os mais atingidos. E vão criar distorções na demanda por produtos e serviços.
Em várias geografias teremos um agravamento da desorganização no emprego pelas mudanças estruturais geradas pela expansão da tecnologia e do digital, na agricultura, na indústria e nos setores de serviços, mudando o perfil e a oferta, privilegiando alguns setores e desorganizando outros.
No ambiente sócio-político teremos a potencial desestabilização provocada pela contestação das opções até então vigentes de sistemas políticos que no processo vivenciado pela pandemia mostraram-se incapazes de atuar de forma adequada e expuseram fragilidades que determinam eventuais mudanças futuras.
Considerem Chile, França, Inglaterra, Itália e também Brasil como alguns exemplos desse movimento.
Essa desestabilização terá como consequências potenciais impactos em eleições com alternância de partidos e ideologias.
Seguramente não será a situação da China, onde está definida a continuidade do quadro político, reforçado em suas propostas e ações para manutenção do crescimento econômico acima da média mundial e acelerando seu posicionamento como maior economia do mundo sob qualquer critério em alguns anos mais.
E no consumo e no varejo do Brasil?
O cenário para o consumo e o varejo está diretamente ligado ao aumento do emprego, já ensaiado no final de 2021, como mostram os dados do Caged, porém, com redução da renda.
Por conta da inflação mais alta em relação aos anos anteriores teremos redução da massa salarial real, com consequente diminuição da propensão às compras e sinalizando um aumento da competitividade pela disputa mais acirrada entre negócios para conquistar o relutante omniconsumidor, cada vez mais empoderado pelo digital.
O crédito às famílias estará mais cauteloso por conta do crescimento do endividamento e pelas preocupações geradas pela inflação e perda do poder aquisitivo.
Como resultado dessa combinação nada virtuosa acima, a confiança do consumidor será afetada, pressionando ainda mais a expansão do mercado, que andará de lado no ano de 2022.
Por conta dessa conjugação de fatores, os formatos e conceitos orientados para valor, inclusos atacarejos e lojas de descontos, home centers e as alternativas informais, além do canal e-commerce, deverão ser os maiores beneficiados, liderando o crescimento do setor de varejo.
O comportamento identificado neste Natal, com crescimento real quase nulo nas vendas do varejo geral e positivo em perto de 20% nas vendas pelo e-commerce, em relação ao mesmo período do ano passado, pode se repetir ao longo do ano.
Porém teremos uma distribuição desigual ao longo do ano, por conta da base de comparação, pois os índices de crescimento deverão ser menores no primeiro semestre de 2022 e maiores na segunda metade do ano, favorecidos pelo aumento de investimentos públicos que marcam períodos eleitorais.
Olhar para cima, para baixo e para os lados
Como todo começo de ano esse é um período propício para um olhar mais atento e abrangente sobre a nossa própria realidade e o futuro que desejamos.
Mais uma vez fica a constatação expressa na ideia do copo meio cheio e meio vazio em que se constata que avançamos em alguns poucos aspectos e deixamos a desejar em outros tantos.
E fica também a consideração de que não é mais possível esperarmos que venha do céu (!) a solução para a transformação estrutural que desejamos e precisamos no Brasil.
Só para ser repetitivo. Essa solução deve estar na capacidade de mobilização e integração do setor empresarial para agir decisivamente para promover as mudanças que desejamos. Demais alternativas estarão na mesma linha da negação de uma realidade incômoda que marcou os períodos recentes de nossa história. E que lembra um pouco o cenário descrito no filme “Não olhe para cima”, em cartaz na Netflix.
Marcos Gouvêa de Souza é fundador e diretor-geral da Gouvêa Ecosystem e publisher da plataforma Mercado&Consumo.
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