Em 2022, um comentarista político conservador de nome Matt Walsh, que mantém uma coluna semanal no site também conservador Daily Wire, lançou um documentário chamado “What is a woman?” (“O que é uma mulher?”) causando absoluta controvérsia na esfera pública nos Estados Unidos.
Esse documentário nada mais é do que uma peça de militância contra a militância. Sim, da militância conservadora americana contra a militância progressista LGBTQIA + que tenta há anos construir um novo conceito de gênero no mundo de hoje.
As normas tradicionais sobre gênero têm sido desafiadas há alguns anos, seja em nome de uma nova compreensão da masculinidade, seja pelo simples ato de se impor, de forma radical, o lifestyle das minorias à toda sociedade, uma situação que, inclusive, faz eco também aqui.
Para nosso papo, não importa os efeitos deixados por este documentário na cultura americana, tão pouco as controvérsias político-sociais causadas pelo assunto, mas o impacto do tema da masculinidade no mercado de consumo.
Será que deve existir um novo conceito de masculinidade?
Masculinidade tóxica, feminização do comportamento masculino, deslocamento das lideranças empresariais do homem para as mulheres e mais uma infinidade de acontecimentos contemporâneos empurraram os homens para “algum canto conceitual” que praticamente ninguém consegue definir bem.
Desde 2014, o movimento “woke” (já amplamente conhecido por todos) vem enfraquecendo a ideia de masculinidade herdada de nossos pais e sobre seu papel na sociedade contemporânea atual. O assunto é tão pujante que o próprio Google (a partir do seu escritório de São Paulo), lançou em 2018 um manifesto da masculinidade no seu “Dossiê BrandLab” chamado “A Nova Masculinidade e os Homens Brasileiros”.
Nele, a gigante de tecnologia abre os olhos dos leitores sobre “novos tempos, velhos padrões” e aponta o dedo para a educação herdada a respeito do que é masculinidade, relatando o fato de que homens são impedidos de serem vulneráveis. E o relatório tem uma ponta de razão. O Google compartilha que adolescentes homens se suicidam qautro vezes mais do que adolescentes mulheres, e que homens jovens de 15 a 19 anos estão pelo menos três vezes mais propensos a morte violenta do que mulheres.
Os números de jovens adolescentes homens com questões psíquicas sérias atualmente têm aumentado em progressão geométrica no hemisfério norte. Se por um lado novos padrões de relacionamento entre os gêneros emergem, gerando uma sociedade mais sadia, de convívio mais equânime, por outro podem colidir com a educação herdada dos pais das gerações anteriores, confundindo “existencialmente” meninos pré-adolescentes e adolescentes justamente na fase de sua formação psíquica.
É claro que esse assunto é profundo, extenso e complexo, porque está na seara das dinâmicas psicossociais, no entanto os impactos dessa questão no mercado e nas atitudes das marcas e das empresas são amplamente notados.
Já falamos aqui na Mercado&Consumo amplamente sobre as questões dos cancelamentos de marcas nas redes e plataformas de mídias sociais e também das políticas DE&I (diversidade, equidade e inclusão) nas empresas que, ultimamente, estão sendo alvo de escrutínio empresarial uma vez que são somente fonte de despesas, não têm ROI (retorno de investimento) garantido ao menos no curto e no médio prazo e desviam o foco da empresa para questões não diretamente ligadas aos negócios.
Por isso, vou focar esta nossa conversa no mercado de consumo.
Beleza, estética e bem-estar têm potencial de dobrar de tamanho
Consumidores de todas as idades admiram ou se inspiram nos jovens de 18 a 24 anos e por isso eles formam opinião do que é ou vai ser tendência para os próximos anos. E a vaidade masculina está definitivamente no menu desta garotada.
Os tabus e a “vergonha alheia” dos homens falarem sobre a estética e sobre sua vaidade foram paulatinamente abandonando o repertório da sociedade graças à chegada de uma nova geração no mercado de consumo (primeiro a geração Z e agora a Alpha) que normalizou a vaidade masculina e institucionalizou o selfie como instrumento narcísico legítimo desta década.
Uma pesquisa realizada pelo Grupo Croma, chamado Cosmetology, divulgada em junho deste ano, revela que 72% dos homens brasileiros declaram cuidar da beleza e que esse hábito não é apenas “coisa de mulher”. Esse percentual parece alto, mas é o dobro do índice percentual da edição de 2018, em que apenas 34% dos homens se preocupavam com a vaidade.
O investimento dos homens em produtos dessa classe também dobrou de 2018 para cá e chegou a quase 40% da população masculina economicamente ativa.
Como consequência da mudança do comportamento masculino ao movimento da beleza, a Associação Brasileira de Clínicas e Spas (ABCS) registra que ao menos 30% da clientela das clínicas de estética brasileiras são homens. E, mesmo com a falta de dados oficiais, não é exagero afirmar que a frequência dos homens às clínicas de check up pode também ter registrado um aumento considerável dos usuários do sexo masculino, público sabidamente negligente à prevenção de doenças.
Até aí, os dados são de alguma forma até esperados, uma vez que é só abrir o Instagram, fazer um “scroll down” e se deparar com a estética de homens e mulheres, com ou sem filtro, desfilando na timeline e prometendo a Shangri-lá da vida eterna que todos queremos.
Mas um outro fenômeno tem aparecido e indica uma oportunidade de mercado em ascensão definitiva nos próximos anos.
Lugar de Homem é… na academia!
Em entrevista à um blog inglês chamado “Diary of a CEO” (Diário de um CEO), o articulista político-social de origem russa, mas filho de mãe britânica, Konstantin Kisin, comenta com pesar sobre o mal que assola a humanidade na desumanização em “ser homem” na sociedade moderna.
“Todas as coisas que nós convencionamos ser dos homens como força, confiança, ímpeto, dominância e etc, estão hoje sub judice na sociedade contemporânea”, afirmou. Ainda, reconhece que as gerações passadas tinham como ídolos homens cantores de bandas de rock magrinhos e com cabelos longos ou atores de Hollywood sempre em papéis sedutores às mulheres da época.
Hoje, adolescentes e garotos do mundo todo se deslocaram para uma idolatria profunda aos super-heróis e aos homens com corpos esculturais. O “role model” (modelo de homem) para a “meninada” é aquele que vai na academia, ou está lutando de alguma forma, no boxe, MMA ou jiu-jítsu.
A conclusão de Kisin é que esse é o único espaço coletivo ou social possível para que os homens mostrem sua masculinidade. Fora esse espaço, a sociedade contemporânea não permite que os homens celebrem sua masculinidade. Até por isso, o resultado deste comportamento é o de meninos superfortes e masculinizados “no corpo”, servindo como uma válvula de escape aos impulsos masculinos represados pelo social.
Essa entrevista traz à tona a invisibilidade da figura masculina na sociedade atual enquanto protagonista em várias dimensões: da mais óbvia, que é seu papel tradicional de provedor em muitos lares, e, agora, até nos negócios.
Portanto, lugar de homem é na academia. Não é à toa que o setor cresce double digit há muitos anos, experimentando crescimentos acima de 20% ano a ano. Não só esse nicho, mas todo o ecossistema de atividade física cresce junto.
Um estudo do Banco Itaú, divulgado em maio deste ano, aponta o crescimento dos valores transacionados com academias e produtos fitness, como moda esportiva e suplementação alimentar, na ordem de 35% em 2023, com ticket médio de R$ 147 no ano.
A geração Z, que inclui pessoas nascidas entre a segunda metade da década de 1990 e o ano de 2010, apresentou as maiores altas em compras do setor de fitness no ano, com aumento de, pasmem, 65% no gasto total e de 58,7% em quantidade de transações, sejam em pix ou cartões de crédito. O que de alguma maneira, prova a tese de Konstantin Kisin (apesar destas transações incluírem também mulheres).
O recorte deste estudo ainda aponta que, por classe, o maior aumento de quantidade de transações nestas classes de produto foi o que recebe até um salário-mínimo, consumindo quase 36% a mais do que em 2022. Uma indicação de um trabalhador jovem, ainda em fase de crescimento de carreira.
Comportamento impulsiona o mercado
Não é só o narcisismo, nem a liberação e a adoção do comportamento estético masculino no segmento da beleza que gera impacto no mercado, mas paradoxalmente a ausência de liberdade deste mesmo homem no exercício da sua masculinidade no atual recorte social do mundo contemporâneo.
O fenômeno atual revela que o mercado de fitness, assim como outros setores voltados ao bem-estar físico e estético, está se expandindo de maneira acelerada justamente por servir como um dos poucos espaços em que os homens podem expressar sua masculinidade sem censura.
A busca por um lugar de validação em um contexto social que cada vez mais limita o exercício livre das tradições e comportamentos masculinos está modificando o mercado.
Sei que é um quadro triste, mas a academia e todo ecossistema do fitness tornou-se uma oportunidade de negócios já que é um refúgio para o homem contemporâneo, que vê nesse ambiente não apenas uma forma de melhorar sua saúde, mas também de reafirmar sua identidade em um mundo em que seu papel está constantemente sendo questionado.
Ulisses Zamboni é chairman e sócio-fundador da Agência Santa Clara.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
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