Explico com uma frequência acima do normal sobre a ciência da economia comportamental para executivos e profissionais de mercado. Por isso, decidi compartilhar neste artigo alguns elementos fundamentais sobre a disciplina.
Este artigo, apesar de ser mais teórico, é interessante para aqueles que desejam entender o processo de tomada de decisão no nosso cérebro e como podemos utilizar esse conhecimento científico de maneira ética.
O assunto é relativamente novo entre os executivos de marketing e negócios, especialmente no Brasil, mas já está mais desenvolvido no Reino Unido e na Europa, ainda que precise de mais experimentos e aplicação prática no marketing.
Embora o assunto só tenha sido respaldado por evidências científicas nos últimos 40 anos, ele sempre esteve presente nos processos mentais dos consumidores ao tomarem decisões de compra, desde os primórdios da humanidade (ou, pelo menos, desde a primeira transação comercial).
A economia comportamental, que chamarei de EC, foi popularizada, a partir dos anos 80, por Daniel Kahneman, psicólogo cognitivo e economista, formado em Princeton, e seu parceiro de pesquisas, Amos Tversky, psicólogo e matemático, da Universidade de Stanford.
Daniel Kahneman, que, infelizmente, faleceu neste ano, ganhou o Prêmio Nobel em Ciências Econômicas, em 2002, com a conceituação de uma abordagem denominada “heurísticas e vieses”, que explora a origem e as dinâmicas mentais na tomada de decisão. Ou seja, um passo gigante para o conhecimento humano.
A ideia de que questões ambientais, sociais e emocionais interferem nas decisões econômicas nasceu no início das teorias da economia, com Adam Smith e John Stuart Mills, ambos entre o final do século 18 e início do século 19. Eles já notavam que o comportamento humano não seguia um padrão “racional-linear” nas tomadas de decisão.
Estruturar uma teoria e prová-la cientificamente é outra coisa. Trata-se de compreender as dinâmicas mentais que influenciam nossas escolhas e nos levam a preferir uma atividade, produto ou marca, em detrimento de outro da concorrência. Esse processo está intrinsecamente ligado a questões comportamentais e psicológicas, exigindo um profundo entendimento de como nossa mente opera durante a tomada de decisão.
Ao fazer isso, a EC oferece insights valiosos para compreender o comportamento do consumidor e desenvolver estratégias de marketing mais eficazes.
E o cérebro tem tudo a ver com isso
Temos que entrar numa espécie de “viagem” histórica e biológica a respeito da evolução de nosso cérebro ao longo de milhões de anos da humanidade. Hoje somos o resultado (ou a consequência) da evolução de nossos antepassados mais remotos. Estou falando do aparecimento da estrutura cerebral mais primitiva, que chamamos de cérebro reptiliano, responsável pelo nosso padrão de instintos de preservação, como comer, lutar, fugir e reproduzir.
Esta parte do cérebro evoluiu e, há 1,9 milhão de anos, o Homo Erectus herdou a estrutura reptiliana e passou a agir a partir dela. Desde então, com a evolução da espécie, surgiram outras duas estruturas cerebrais: o sistema límbico, responsável pelas emoções, e o neocórtex, responsável por funções mais complexas como aprendizado, linguagem, controle motor e reconhecimento espacial.
É na região do lóbulo frontal do neocórtex que ocorre a tomada de decisão. Embora tenhamos esses três sistemas operacionais no cérebro, ele funciona como um único circuito paralelo, em que cada parte solicita respostas das outras. Ou seja, não há uma irracionalidade nas nossas escolhas, mas uma resposta coordenada entre eles aos estímulos externos.
No entanto, como as partes do cérebro se falam e agem simultaneamente, nosso sistema reptiliano intervém em nosso dia a dia e exige atitudes claras de “preservação” que interferem diretamente em nossas decisões.
Na era do Homo Erectus, quando predominava o cérebro reptiliano, a escassez de alimento e a constante busca por comida eram aspectos fundamentais do cotidiano humano. A necessidade de economizar energia para evitar privações futuras deixou marcas profundas em nosso cérebro, uma herança de milhões de anos que ainda influencia nosso comportamento até hoje. É dessa herança que surgem as heurísticas e os vieses cognitivos.
Heurísticas e vieses cognitivos: simplificação excessiva e distorção sistemática
O cérebro desenvolveu um mecanismo legítimo para evitar que, nos dias de hoje, as pessoas gastem energia em várias tarefas frequentes. Esse mecanismo segue o princípio da simplificação e eficácia no uso da energia, baseado na lógica do cérebro reptiliano de conservar energia, como no caso do Homo Erectus durante a caça.
A eficiência na economia de energia é alcançada por meio de atalhos mentais chamados heurísticas e vieses cognitivos, que estão intimamente relacionados. A heurística é a fundação deste princípio; elas são os chamados atalhos mentais (ou “regras de ouro”), que servem para não perdermos tempo nas tomadas de decisão, seja em questões cotidianas ou nas complexas. Funcionam quase como uma intuição. É como se fossem avenidas mentais de alta velocidade, que fazem a gente chegar mais rápido à uma solução por meio de uma aproximação perfeita sobre determinado assunto ou problema.
Esses atalhos nos permitem fazer julgamentos rápidos e tomar decisões eficientes, sem a necessidade de processar todas as informações disponíveis cada vez que nos deparamos com uma situação, seja ela familiar ou não.
É exatamente por isso que as heurísticas (e também os vieses cognitivos) são consideradas erros mentais. E por quê? Porque, ao fazer uma aproximação ou um julgamento instantâneo de um cenário, você pode estar deixando de lado elementos importantes para uma avaliação ou decisão mais correta.
De uma forma didática (e superficial), existem três heurísticas fundamentais: a da representatividade, a da disponibilidade e a da ancoragem:
- Representatividade: julgar a probabilidade de um evento baseado em sua semelhança com um protótipo ou estereótipo, independentemente de outras informações relevantes;
- Disponibilidade: avaliar a probabilidade de eventos com base na facilidade, com que exemplos vêm à mente. Eventos mais recentes ou vividos são considerados mais prováveis;
- Ancoragem: fazer estimativas ou decisões a partir de um valor ou evento inicial (âncora), ajustando-o para chegar a uma resposta final, muitas vezes de forma insuficiente.
Kahneman e Tversky têm experimentos sociais interessantíssimos que comprovam estatisticamente as três heurísticas.
Em termos de frequência, as três principais heurísticas influenciam cerca de 80% das nossas decisões, enquanto os vieses cognitivos representam de 20% a 30% das influências mentais na tomada de decisão.
Os vieses cognitivos podem ser considerados uma extensão das heurísticas, já que ambos induzem ao erro de maneira semelhante, ao tentar economizar energia mental. As heurísticas são regras práticas usadas pelo cérebro para simplificar a tomada de decisões, enquanto os vieses são as distorções sistemáticas que podem surgir dessa simplificação excessiva.
Quais são os vieses cognitivos mais comuns?
Atualmente, estão catalogados entre 150 e 200 vieses cognitivos. É quase impossível listar os mais importantes ou frequentes, pois as possibilidades de situações que podem levar nosso cérebro a desenvolver esses vieses são infinitas. Cada experiência, evento ou processo similar que enfrentamos pode moldar a maneira como pensamos e decidimos, resultando em um novo viés cognitivo.
Por exemplo, ao longo da vida, nosso cérebro aprende e assimila padrões e cenas do cotidiano, muitas vezes, sem que percebamos. Esses padrões se tornam atalhos mentais, que, embora úteis para simplificar a tomada de decisão, podem nos levar a cometer erros sistemáticos.
Listo abaixo alguns que considero mais curiosos e estão presentes nos nossos cotidianos. Vocês podem até se identificar com alguns, lembrando que as heurísticas são também chamadas de vieses por alguns estudiosos sobre o tema.
- Viés de confirmação: a tendência de procurar, interpretar e lembrar informações que confirmam nossas crenças preexistentes, ignorando evidências contrárias;
- Efeito de Halo: a tendência de permitir que uma característica positiva (ou negativa) de uma pessoa ou coisa influencie nossa percepção de outras características dessa pessoa ou coisa;
- Erro de atribuição (egóica): ocorre quando você dá o benefício da dúvida apenas para si mesmo. Por exemplo, se você chega atrasado, justifica dizendo que estava preso no pior congestionamento. Se outra pessoa chega atrasada, você a considera desleixada;
- Viés do pensamento em grupo: a crença de que algo é melhor apenas porque é mais popular. As pessoas tendem a querer estar do lado da maioria. No mercado de ações, esse viés pode ter um impacto significativo;
- Viés de gênero: a preferência por um gênero em detrimento do outro com base em estereótipos associados às características de cada gênero. Por exemplo, um trabalho que exige atenção aos detalhes não precisa ser realizado exclusivamente por mulheres;
- Viés de afinidade: o nome já diz.
Esses são apenas alguns exemplos dos muitos vieses que podem influenciar nossas decisões diárias ou até denunciar muitos de nossos erros na tomada de decisão. Compreender esses vieses é crucial para aplicar soluções importantes na tomada de decisões dos consumidores e evitar erros sistemáticos que podem impactar negativamente a performance de uma marca.
Um exemplo prático dentre dezenas ou centenas de possíveis
Uma das belezas da economia comportamental não é o estudo dos vieses individuais, mas o que leva toda sociedade a ter esses erros de interpretação e a escolher determinadas atitudes, marcas e produtos a partir deles.
Sabe aquela velha piada “por que a galinha cruzou a rua?” Todo mundo sabe a resposta, que é “para chegar do outro lado”. Pois bem, essa piadinha ingênua é mais ou menos o jeito que executivos e negócios lidam com seus negócios. Com verdades estabelecidas. Só uma galinha. Só uma rua. Só um motivo.
Durante um período de promoção de vendas, se você perguntar a um economista por que as lojas estão cheias, ele provavelmente dirá “porque os preços estão baixos.” Essa resposta está correta e é precisa, mas não representa a verdade absoluta.
Por exemplo, se você colocar uma placa de promoção de vendas, mas não reduzir os preços e, em vez disso, colocar uma longa fila de atores na porta da loja, acredito que geraria uma demanda acima da média ou um incremento em vendas. Ouso dizer que, se você simplesmente baixar seus preços sem fazer um grande alarde com banners, pôsteres e publicidade, não conseguisse aumentar suas vendas tanto quanto esperaria.
Nesse exemplo de promoção de vendas, há múltiplas ações de comportamento humano atuando ao mesmo tempo, mas costumamos nos concentrar na explicação mais óbvia e racional, que é o preço. Existem outras razões, como a escassez dos produtos da estação em promoção, a influência do comportamento de manada e outros vieses poderosos.
As vendas realizadas sem toda a festa, filas e outros atrativos não teriam o mesmo “value”. Se não fosse ilegal, imoral ou antiético, eu realizaria um experimento de promoção sem reduzir os preços, mas criando toda a aura de “sales” para demonstrar que há mais fatores em jogo além da simples redução de preço.
Durante os “sales” do varejo, existe a satisfação de sentir que está fazendo um negócio muito melhor na hora certa do que se faria antes ou depois. A gente encontra muito isso nos publis do Instagram de influenciadores que geram um tremendo buxixo e têm milhares, às vezes milhões, de seguidores, e conseguem vender mesmo fora dos períodos de promoção.
A EC é uma ciência mandatória nos dias de hoje
Nosso cérebro não trabalha de forma isolada. Não temos julgamento sobre nada, nem coisas nem pessoas, a não ser que essas coisas estejam envolvidas em um contexto determinado.
Pensem bem, pessoas ou coisas podem ser julgadas de maneiras diferentes, dependendo do contexto. É por isso que uma entrevista de emprego é tão importante, pois o que está escrito no currículo pode ser interpretado de formas variadas, dependendo de como você contextualiza essa informação. Analisar o contexto é uma das formas de se evitar as armadilhas de decisões equivocadas.
Estrategistas de marca e de marketing precisam entender profundamente as dinâmicas da tomada de decisão para criar campanhas e posicionamentos que realmente ressoem com o público-alvo.
Em um mundo tão competitivo e cheio de complexidades, o entendimento da EC é fundamental para descobrir por que algumas marcas não têm o desempenho esperado ou por que estão abaixo da média em suas performances. Ao reconhecer e levar em conta os vieses e heurísticas que influenciam as escolhas dos consumidores, eles podem desenvolver estratégias mais eficazes e que melhor atendam às necessidades e desejos dos consumidores.
A compreensão da economia comportamental permite que profissionais de marketing e estratégia tomem decisões mais focadas e precisas, adaptando-se às complexidades do comportamento humano e do mercado alcançando melhores resultados.
Portanto, a EC é uma das ferramentas fundamentais hoje para um bom estrategista de marketing e comunicação.
Ulisses Zamboni é chairman e sócio-fundador da Agência Santa Clara.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
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