Na maior parte das vezes, quando entro em uma livraria não sei o que vou comprar. Nem ao menos tenho certeza de que levarei algo para casa (embora quase sempre o faça). Parte da mágica da livraria, para mim, é passear pelas prateleiras, ver os lançamentos e fazer descobertas.
É imenso o fascínio exercido pelas novidades. Muita gente adora experimentar sabores, conhecer lugares, explorar novas tecnologias, desbravar fronteiras, descobrir o novo. O próprio conceito de moda está baseado na renovação contínua de estilos, formas e cores.
Ao mesmo tempo, somos fortemente atraídos por tudo o que é familiar. Passamos tempo demais nas redes sociais, em busca de dancinhas engraçadas, vídeos divertidos e notícias relevantes. Graças aos mágicos algoritmos, boa parte desse conteúdo não é exatamente novo. Acabamos nos empanturrando com mais do mesmo, embrulhado em vistosas embalagens e ajustado ao nosso gosto.
Valorizamos ideias, produtos e histórias já conhecidas mais do que gostamos de admitir. Quer uma prova? Das 10 maiores bilheterias da história do cinema, 8 são de sequências, como Star Wars e Jurassic World, refilmagens, como o live action do Rei Leão, ou franquias com personagens famosos, como Vingadores e Homem Aranha. As duas exceções nessa lista são o primeiro Avatar e Titanic.
O que é mais importante: o novo ou o conhecido?
Nessa altura, você deve estar se perguntando: afinal, o que tem mais valor? O novo ou o conhecido? Se você concluiu que é importante contar com as duas coisas, juntas e misturadas, acertou em cheio.
Derek Thompson, em seu ótimo livro “Hit Makers”, sobre as histórias por trás dos sucessos de bilheteria, analisa essa curiosa contradição. Olha só esse trecho:
“Muitos consumidores são, ao mesmo tempo, neofílicos, curiosos para descobrirem coisas novas, e profundamente neofóbicos, temendo qualquer coisa que seja nova demais. Os melhores hits foram feitos por artistas que têm o dom de casar o novo com o antigo. São arquitetos de surpresas familiares”.
A ideia de “surpresas familiares” é muito inspiradora. Thompson defende a tese de que as pessoas são guiadas pela interação entre o estímulo proporcionado pelas novidades e o profundo conforto com o que é familiar. A ciência da construção de conteúdos de sucesso residiria nesse equilíbrio.
Sem querer, Spotify equilibrou a novidade com o familiar
Tem outro exemplo interessante sobre esse balanço entre o novo e o conhecido. Todas as segundas-feiras tenho o hábito de abrir o Spotify e procurar a playlist “Descobertas da Semana”. São 30 músicas que a plataforma de streaming prepara especialmente para mim, com base no meu gosto pessoal.
Em seu livro, Thompson explica que originalmente todas as músicas da “Descobertas da Semana” seriam inéditas, ou seja, canções que os usuários nunca tinham ouvido antes. Matt Ogle, que foi o engenheiro-chefe criador do serviço, acreditava que a maioria das pessoas gosta de músicas novas, embora não esteja disposta a perder tempo para encontrá-las. A playlist “Descobertas da Semana” foi uma resposta a esse desafio.
Porém, durante os primeiros testes do serviço, um bug no algoritmo deixou passar algumas canções que os usuários já conheciam. Rapidamente, a equipe sanou o problema. Porém, algo estranho aconteceu: depois do reparo, o engajamento dos usuários caiu.
Sabe qual foi a conclusão do Spotify? Ter uma playlist com coisas familiares aumenta a adesão, porque as pessoas ouvem algo de que já gostam e assumem que as outras músicas da lista serão boas também. Mais uma vez, a fórmula do sucesso envolvia a mescla do novo com o conhecido.
E os shoppings com tudo isso?
Mas, o que tudo isso tem a ver com os shopping centers? Bem, vamos lá.
Pense no mix ideal de lojas. Combinar conceitos, marcas e segmentos novos com as lojas que são sucesso garantido, pode ser excelente opção. Nesse sentido, alguma vacância é positiva, para aproveitar oportunidades e possibilitar a entrada de novas operações, que agregarão frescor e novidade.
As vitrines das lojas deveriam funcionar como as antigas revistas de moda, que folheávamos distraídos em busca de inspiração para novos looks.
Além disso, as ações realizadas pela área de marketing precisam considerar o desejo dos frequentadores de conhecer coisas novas, no familiar ambiente do mall. O sucesso que é a releitura das piscinas de bolinhas, presentes em shoppings de norte a sul do país, evidencia o mérito da união entre algo que todo mundo conhece, com uma outra roupagem.
Nem todo mundo se dá conta que uma das principais forças dos shoppings é ser um lugar seguro, conhecido, familiar. Os shoppings nos quais somos capazes de andar de olhos fechados, são aqueles que consideramos de verdade nossas segundas casas. Ou nossos “terceiros lugares”.
Alguns anos atrás desenvolvemos, aqui na Gouvêa Malls, uma metodologia de Arquitetura de Experiências para centros comerciais. Nesse material, que chamamos de Shopping 5D, definimos as cinco dimensões dos shopping centers.
Sabe quais são as cinco dimensões?
Os shoppings, claro, continuam sendo um lugar de compras. Cada vez mais, consolidam a vocação de também oferecer entretenimento. Muitas pessoas elegem os shoppings como ponto de socialização. Sintonizados com o ritmo de vida acelerado nas grandes cidades, os centros comerciais estão agregando serviços que proporcionam solução. O quinto aspecto, que ainda é o mais negligenciado, inclui as descobertas.
Apresentar produtos, sabores, estilos, expandir o repertório e o universo dos consumidores, pode ser uma bela estratégia de diferenciação e conversão. Ser, também, um marketplace de ideias (marketplace of ideas).
Gilberto Gil, em sua música “Rep”, disse: “o povo sabe o que quer, mas o povo também quer o que não sabe”.
Essa frase genial, define o tamanho da oportunidade para os shopping centers: oferecer o que as pessoas gostam, com generosas pitadas de novidade. Tudo embalado em um ambiente e comunicação muito familiares.
É só começar.
Luiz Alberto Marinho é sócio-diretor da Gouvêa Malls.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
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