Conhecida como “MP da reoneração da Folha”, a Medida Provisória 1.202/2023, anunciada pelo governo federal em dezembro do ano passado, antecipa o fim de benefícios do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos e Turismo (Perse). O argumento apresentado é de que o programa tem um custo aproximado de R$ 17,1 bilhões, segundo informações do Ministério da Fazenda.
Sem ter acesso, até o momento, aos dados oficiais que comprovem este valor, as associações de Turismo e Eventos de setores beneficiados pelo Perse contrataram a Tendências Consultoria para a elaboração de um estudo que mostre o custo real do programa.
Com base em pesquisas públicas oficiais, incluindo a base de nota fiscal com dados realizados até junho de 2023, a Tendência estimou o custo efetivo do programa em R$ 6,5 bilhões. Esse valor considera os 44 segmentos elegíveis para o Perse, segundo a Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAES).
“Foi calculada a renúncia com o programa em diferentes metodologias e, em todos os casos, o custo do programa, na atual versão, não ultrapassa os R$ 6,5 bilhões, muito distante do custo oficialmente divulgado pelo Poder Executivo”, analisa a sócia-diretora da Tendências Consultoria, Alessandra Ribeiro. Ela destaca ainda que o estudo não leva em conta os valores renegociados de dívidas tributárias e não-tributárias que foram arrecadados pelo governo.
Recuperação lenta
O estudo mostra uma recuperação mais lenta dos setores de Eventos e Turismo em comparação a outras atividades econômicas pós-pandemia.
“Analisamos a criação de empregos por setores para evidenciar esse dado. Os empregos das CNAEs do Perse foram mais duramente atingidos na pandemia e iniciaram um processo de recuperação tardia, que só se intensificou nos últimos dois anos”, explica Alessandra. O estudo compara a variação do emprego formal entre 2019 e 2023 em diferentes setores.
Enquanto para as atividades contempladas no Perse esse aumento foi de 4,3%, o total do Brasil foi de 11,8%, alavancado por setores como construção (34%), atividades profissionais, científicas e técnicas (29,7%), atividades imobiliárias (22,3%) e saúde humana e serviços sociais (20,3%).
“O estudo comprova o que o setor tem falado desde o início sobre o real custo do Perse. Estamos confiantes que, com isso, o Congresso siga sensibilizado de que essa medida abrupta de acabar com o programa pode parar um ciclo de investimentos e implicar um ciclo de desinvestimentos, além de ameaçar um cenário de segurança jurídica que já havia se tornado consenso entre o Estado Brasileiro e o setor”, afirma Doreni Caramori, presidente da Associação Brasileira de Promotores de Eventos (Abrape).
Segundo Caramori, “os empreendedores carregam um endividamento desde a pandemia, que foi parcelado ao longo dos anos, e contam com o Perse não só para quitar esses compromissos, como para continuar trabalhando”.
Orlando Souza, presidente do Fórum de Operadores Hoteleiros do Brasil (FOHB), define o Perse como um programa de socorro a um setor que foi completamente paralisado durante a pandemia. “As isenções fiscais concedidas pelo Perse possibilitaram, até agora, a reestruturação desses setores, que estão entre os que mais rapidamente empregam”, pontua Souza. “A manutenção do Perse é fundamental para honrar com os pagamentos de empréstimos contraídos para superar o difícil período de pandemia, criar empregos e assegurar a distribuição de renda com a capilaridade que só o turismo e os eventos são capazes de fazer. Qualquer irregularidade em relação ao Perse deve ser demonstrada e punida, sem ampliar os prejuízos para setores fundamentais para o desenvolvimento econômico do país”, completa.
As associações
Realizado pela Tendências Consultoria, o estudo foi encomendado pela Associação Brasileira de Empresa de Eventos (Abeoc), Associação Brasileira de Eventos (Abrafesta), Associação Brasileira dos Promotores de Eventos (Abrape), Associação Brasileira de Parques e Atrações (Adibra), Associação Brasileira de Resort (Resorts Brasil), Associação para o Desenvolvimento Imobiliário e Turístico do Brasil (Adit Brasil), Brazilian Luxury Travel Association (BLTA), Fórum dos Operadores Hoteleiros do Brasil (FOHB), Sistema Integrado de Parques e Atrações Turísticas (Sindepat) e União Brasileira de Feiras e Eventos de Negócios (Ubrafe).
A íntegra do estudo está disponível nos sites das associações.
Resposta do Ministério da Fazenda
Procurada pela reportagem para comentar os dados do estudo, a assessoria de imprensa do Ministério da Fazenda encaminhou o ofício assinado pelo ministro Fernando Haddad, em 27 de dezembro de 2023, para justificar a publicação da medida provisória que revogou os benefícios do Perse, entre outras renúncias fiscais, no dia dia seguinte. O órgão informou, ainda, que não comentaria os demais questionamentos feitos pela MERCADO&CONSUMO.
Sobre o Perse, Haddad escreveu que o impacto do benefício fiscal foi estimado em R$ 4,4 bilhões por ano e que, em 2023, a Secretaria Especial da Receita Federal havia alertado que “os valores efetivamente usufruídos pelos contribuintes poderiam ser substancialmente maiores”.
“De acordo com levantamento realizado pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil, o montante de receita desonerada pelo benefício fiscal totalizou R$ 255 bilhões em 2022, conforme os dados extraídos da ECF [Escrituração Contábil Fiscal]. Em relação ao período de janeiro a agosto de 2023, o montante de receita desonerada foi superior a R$ 115 bilhões, de acordo com as informações coletadas da EFD-Contribuições”, escreveu Haddad no ofício.
Ainda de acordo com o documento, foi com base nessas informações que a Secretaria Especial da Receita elaborou um relatório executivo – não compartilhado com a reposta encaminhada pelo governo – que apontou “perdas de receitas tributárias, em 2023, entre R$ 17 bilhões e R$ 32 bilhões, consideradas as EFD-Contribuições” que, de acordo com o Sistema Público de Escrituração Digital (Sped) da Receita, se trata de arquivo digital utilizado pelas pessoas jurídicas de direito privado na escrituração da contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins, nos regimes de apuração não-cumulativo e/ou cumulativo, com base no conjunto de documentos e operações representativos das receitas auferidas, bem como dos custos, despesas, encargos e aquisições geradores de créditos da não cumulatividade.
Por fim, o documento justificou que, nesse cálculo, ressalva-se que a entrega da ECF relativa ao ano-calendário 2023 será realizada até julho de 2024.
Entenda o Perse
Projeto idealizado no Congresso Nacional, o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse) foi votado na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, voltando para análise pelas duas casas após veto presidencial. Derrubado o veto, foi criado pela Lei número 14.592 de 2022.
Trata-se de um pacote de renúncias fiscais com o objetivo de possibilitar a recuperação dos setores elegíveis pelo programa dos prejuízos provocados pela pandemia de covid-19. As empresas que se enquadraram no Perse já totalizaram mais de R$ 28 bilhões em renegociações fiscais.
Os setores incluídos no Perse representam 4,5% do PIB brasileiro, segundo as entidades do setor.
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