Há 8 anos, a Starbucks lançou uma campanha certeira. Uma vasta equipe filmou, no mesmo dia, cenas que aconteciam nas lojas da marca em 28 países diferentes. A ideia era mostrar que a Starbucks era muito mais do que uma cafeteria.
As imagens mostraram pessoas conversando, namorando, dançando, jogando, enfim, convivendo. A frase que fechava o vídeo é simplesmente perfeita: “coisas boas acontecem quando a gente se encontra”.
Como disse Howard Behar, ex-presidente da marca, no livro “It’s not about the coffee” (Não é sobre café), a Starbucks não está no negócio de café, servindo pessoas, e sim no negócio de pessoas, servindo café. Os filmes mostravam isso na prática.
A campanha pretendia posicionar as lojas da Starbucks como um lugar onde as pessoas gostam de estar. O desafio era, e continua sendo, converter esse fluxo em vendas, para garantir a rentabilidade do negócio.
Marcas que transformaram espaços em lugares
Em tempos digitais, nunca precisamos tanto de lugares acolhedores, inclusivos e socializantes como hoje. Transformar espaços em lugares: essa é uma enorme oportunidade para lojas, parques, shopping centers. Algumas empresas, aliás, já estão fazendo isso.
Em 2019, a CBRE revitalizou o antigo centro comercial Dolce Vita Tejo, em Lisboa. Trocou o nome para Ubbo e aplicou nele o conceito de shopping resort, explorando fortemente o entretenimento.
O ponto alto do Ubbo é uma grande praça, que, embora coberta, transmite a sensação de amplitude e espaço aberto. Ali misturam-se restaurantes, atrações infantis fixas e eventos, alguns pagos e outros gratuitos. Uma enorme tela, visível de todos os lugares, transmite clips musicais e publicidade. Uma delícia de lugar.
Assim como também é delicioso o Ecovilla, projeto da Ri Happy, localizado dentro do Jardim Botânico, no Rio de Janeiro. A área de venda de brinquedos é apenas parte de algo bem maior e mais interessante para crianças e suas famílias. O espaço tem teatro, brinquedão, salas para oficinas e muita diversão em toda parte.
O objetivo do Ecovilla é oferecer um lugar para descobertas, conexão, expressão, aprendizado e, principalmente, muita brincadeira. Materializa o propósito da Ri Happy de que o brincar ajuda a desenvolver as crianças. De quebra, ajuda a reforçar a imagem da marca e vender produtos.
Outro bom exemplo é o Parque Ibirapuera, que depois de privatizado passou a ser gerido pela Urbia. Respeitando a vocação do parque, que é ao mesmo tempo um lugar para prática de esportes e lazer para as famílias paulistanas, o Ibirapuera agregou restaurantes, adicionou quadras esportivas, promove eventos.
De maneira criativa e eficiente, a Urbia atraiu grandes marcas para patrocinar áreas dentro do parque, instalou painéis de publicidade e gera receitas que fazem a operação ser lucrativa, ao mesmo tempo em que eleva a experiência dos seus frequentadores.
Nos três casos, a construção do senso de lugar vem acompanhada de resultados econômicos, que viabilizam a operação. Não é fácil, mas sem isso a ideia não para em pé. Simples assim.
A importância do lugar
Muitas vezes, esquecemos de como precisamos de lugares. O filósofo americano Edward Casey, que escreveu livros sobre o tema, gosta de lembrar da sua importância. “Estamos cercados por lugares. Andamos sobre e através deles. Vivemos em lugares, neles nos relacionamos com os outros, morreremos em um lugar. Tudo o que fazemos acontece em um lugar”, escreveu Casey em seu livro “The fate of place” (algo como ‘O destino do lugar’, em adaptação livre).
Além da nossa existência estar intrinsicamente ligada a lugares físicos, somos ainda seres gregários. Precisamos de locais para um tipo de socialização que o digital não permite. Scott Galloway, escritor, professor e consultor americano, afirmou no ano passado, em entrevista ao The Wall Street Journal, que “as redes sociais criam uma ilusão de que temos um monte de amigos, mas não vivemos ali uma experiência de amizade verdadeira”. Ele tem razão. Amizades e memórias marcantes ainda são construídas em lugares.
Experiências relacionadas a lugares
Há pessoas que gostam de lugares desabitados, onde nada acontece. De fato, eles podem ser úteis para proporcionar momentos de reflexão ou relaxamento. No caso de lojas, parques e shopping centers, no entanto, as pessoas buscam não apenas ambientes atrativos, mas também viver ali experiências memoráveis.
Nunca esqueço de uma frase que o diretor de Varejo da Disney disse, certa vez, em uma palestra, sobre a missão das Disney Stores: “queremos proporcionar os melhores 30 minutos do dia de uma criança”. Ambiciosa e pertinente, essa visão se aplica muito bem a diferentes negócios.
Como criar experiências relacionadas a lugares? Nas pesquisas que temos feito sobre o assunto, descobrimos várias respostas, muitas delas fascinantes. Kevin Kelley, por exemplo, autor do livro “Irreplaceable”, acredita que o caminho passa por criar “uma experiência situacional em que as pessoas se sentem emocionalmente ligadas a um lugar e aos seus ocupantes, devido à sensação de valores, propósito e identidade compartilhados”.
Ele fala sobre propósito, identidade e valores comuns. Em outras palavras, se um lugar não tem um propósito e uma identidade de marca claros, terá mais dificuldade em reunir comunidades, desenvolver pertencimento e senso de lugar.
Shopping centers são essencialmente lugares e não devem se esquecer disso
O Ecovilla, da Ri Happy, reúne uma comunidade familiar, que compartilha a importância do brincar, como elemento fundamental do desenvolvimento infantil. O Parque Ibirapuera atrai diversas tribos de esportistas, que buscam práticas que levam a uma vida saudável, além de pessoas em busca de bons momentos e contato com a natureza. O Ubbo acredita que sua missão é proporcionar diversão, dentro e fora das lojas.
Todos tiveram sucesso na construção de senso de lugar, porque sabem o que são (identidade) e qual propósito possuem. Tudo começa por aí.
Shopping centers são, na essência, lugares de encontro (com outros, com as novidades, consigo mesmo) e prazer. Embora tenham flertado por um tempo com o conceito de templos de consumo, está claro, nos quatro cantos do planeta, que precisam voltar à origem. As mudanças no comportamento de compras dos novos e conectados habitantes do planeta e nas dinâmicas dos canais de compra apenas aceleraram a necessidade desse retorno.
Compreender perfeitamente quais comunidades que deve atender, definir com precisão a identidade e o propósito da marca, e mergulhar fundo na psicologia e anatomia dos lugares são desafios que deveriam estar no topo das prioridades de muitas empresas para 2025 e além.
Nota: The Power of Place, a ciência de construir lugares atrativos e rentáveis, será o tema do painel que conduziremos no Latam Retail Show, no dia 18 de setembro, com a participação de executivos do Ubbo, Ri Happy e Urbia Parque Ibirapuera.
Luiz Alberto Marinho é sócio-diretor da Gouvêa Malls.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
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