Por Marcos Gouvêa de Souza*
Na semana passada aconteceu em Chicago mais um evento IRCE – Internet Retailer Conference and Expo, que se confirma como um dos mais importantes no comércio eletrônico nos Estados Unidos, o maior mercado global, e que trouxe mais informação, análise e projeções de um setor que cresce muito acima do varejo como um todo e que, no Brasil, mostra forte resiliência frente ao quadro de incertezas que assola o país.
Uma das mais importantes conclusões de tudo que foi apresentado no evento é como todo o negócio de varejo, especialmente o mais tradicional, está sendo reinventado a partir do aprendizado derivado da evolução do comércio eletrônico.
Antes é preciso lembrar
Para validar essa percepção, é preciso lembrarmos que foi um varejista sem experiência anterior, a Amazon, hoje com 320 milhões de clientes no mundo todo, que descobriu o valor do ativo que representa o conhecimento sobre o consumidor envolvendo seus hábitos, atitudes, preferências e opções e que transforma isso tudo em elementos de ativação e maximização da satisfação da experiência do consumidor.
Vale lembrar ainda que esse mesmo varejista, nascido pure player, avança gradualmente, para ampliar sua atuação com entrega em menos de 24 horas de alimentos para consumidores em determinadas regiões, redefinindo o negócio de venda de alimentos e perecíveis.
Que também é esse varejista que recém lançou uma plataforma de serviços pessoais e domiciliares, com sua marca, com profissionais recrutados, treinados e homologados, operando com seguro e assegurando um padrão de serviços absolutamente diferenciado. Para a empresa, a venda de serviços digitais, uma evolução da amplitude de atuação do varejo, já representa quase um quarto de todas suas vendas. Apesar desse desempenho, 32% dos operadores de comércio eletrônico entre as 500 maiores empresas do setor nos EUA, crescem percentualmente mais do que a a própria Amazon.
É preciso lembrar que a empresa é acompanhada de perto pelo Alibaba, operação de origem chinesa, lançada em 1999, mesmo ano que Walmart declarou que o e-commerce seria prioridade. A empresa já atende hoje, apenas 16 anos após seu lançamento, 300 milhões de clientes no mundo e, só no Brasil, teve no ano passado vendas anualizadas de R$ 1 bilhão, quando apenas 90 grupos varejistas no Brasil alcançam essa marca. O Alibaba realizou em setembro do ano passado o maior IPO da história financeira mundial.
A realidade é que ambas empresas, num futuro próximo, projetados os crescimentos atuais, deverão superar o Walmart, no momento o maior varejista global.
Mas ainda mais importante é lembrar que o comércio eletrônico por suas características e modelo de negócio monitora e mantém rígido controle sobre todos os aspectos que envolvem a operação, testando, acompanhando, prevendo e revendo modelos de atuação de forma a maximizar a satisfação e experiência dos consumidores e o retorno dos investimentos dos varejistas, coisas que, definitivamente, não acontecem nessa escala e dimensão no varejo tradicional.
Tudo isso com um nível de granularidade, atualidade, amplitude e profundidade que o varejo tradicional não consegue competir, ampliando a vantagem estratégica do varejo digital mas, de alguma forma inspirando e aperfeiçoando o varejo como um todo.
Da mesma forma é preciso considerar que as práticas e conceitos aplicados no comércio eletrônico, por exemplo, envolvendo estratégias de preços, permitem pesquisar e analisar premissas e respostas com acuidade nunca alcançada no varejo tradicional. Essa sintonia fina de atuação migra da área eletrônica para as atividades tradicionais incorporando novas práticas e modelos de decisão que contribuem para uma evolução e significância estratégica e econômica ainda maiores do setor.
Por tudo isso e muito mais, nenhuma empresa de varejo deveria ficar distante do que tem acontecido no comércio eletrônico, pois a transformação estratégica e estrutural do negócio transcende em muito o que possam ser as vendas e os resultados diretos dessa operação, precipitando uma mudança cultural e operacional que é fundamental, para as empresas varejistas que irão sobreviver às mudanças disruptivas que têm acontecido.
As projeções mais atuais estabelecem que em 2030 algo como 18% das vendas do varejo dos Estados Unidos serão via comércio eletrônico, ou seja, como lembrado durante o evento IRCE, 82% ainda serão em lojas. Porém, já em 2015, 52% de todas as vendas do varejo norte-americano serão influenciadas pelo varejo digital, nas suas mais diferentes formas.
Os números atuais estimam que o percentual de vendas via comércio eletrônico em relação ao varejo total seja perto de 10,0% nos EUA e de 15% na Inglaterra, dois dos mercados mais avançados nesse indicador. No Brasil, esse número está em torno de 3,8 % mas em todos os casos crescendo significativamente mais do que o varejo tradicional. Nos Estados Unidos, no ano passado, o crescimento foi de 15,4%, enquanto no Brasil foi de 24%.
Mas isso é apenas a ponta do iceberg e deve ser tratado dessa forma. O mais relevante é que na prática, os conceitos e estratégias que envolvem o varejo, de produtos e serviços como um todo, estão e estarão definitivamente impactadas pelo aprendizado derivado do comércio eletrônico que, está, estrutural e estrategicamente, transformando o negócio em todos os aspectos e, comparar e avaliar essa transformação usando as métricas tradicionais pode ser um equívoco que pode custar caro no médio e longo prazo.
*Marcos Gouvêa de Souza (mgsouza@gsmd.com.br) é diretor-geral da GS&MD – Gouvêa de Souza.