Por Luiz Alberto Marinho*
Enquanto os shopping centers brasileiros movimentam-se para enfrentar os efeitos da economia em recessão, no resto do mundo o desafio é bem diferente. Confrontado por mudanças profundas no varejo e no comportamento dos consumidores, o setor prepara-se para a maior reinvenção da sua história.
Polarização
Embora os shoppings estejam se multiplicando pela Europa e Oriente e apesar das vendas nos Estados Unidos estarem em elevação, cresce a percepção entre os maiores players do mercado de que um importante processo de polarização está em curso. Enquanto empreendimentos orientados para o estilo de vida dos novos consumidores prosperam, centros mais antigos e tradicionais enfrentam dificuldades crescentes.
Isso acontece porque uma parcela considerável de consumidores não reconhece mais os shopping centers apenas como locais convenientes para compras e sim como polos de entretenimento e socialização. Por esse motivo, shoppings que investem em experiências e relacionamento e contam com varejistas que fazem o mesmo, tendem a ter melhor desempenho do que aqueles ainda orientados pela visão tradicional do Real Estate e que possuem lojas voltadas prioritariamente para a venda de produtos pouco diferenciados.
Nos Estados Unidos, para cobrir os espaços deixados por muitos desses varejistas indiferenciados, os shoppings tradicionais estão investindo em opções de entretenimento, clínicas, escolas, spas, salões de beleza e restaurantes. Já os novos empreendimentos, para manter a posição vantajosa, apostam em experiências customizadas, apoiadas cada vez mais em informação individualizada sobre cada cliente.
De quem é a culpa?
Se você pensa que a culpa pelos problemas dos shoppings é do e-commerce, está enganado. No último trimestre de 2014, de acordo com o Departamento de Comércio dos Estados Unidos, as lojas virtuais responderam por apenas 6,7% dos mais de US$ 1 trilhão de vendas do varejo americano.
O principal motor da mudança é o consumidor, que hoje possui estilo de vida bem diferente do passado, turbinado pela tecnologia hoje acessível de maneira democrática para diversas camadas da população.
Parte da culpa pode ser também atribuída ao varejo, que demorou a acompanhar a evolução no comportamento dos seus clientes. Muitos varejistas, aliás, ainda hoje resistem em fazer esse movimento.
Porém, atribuir culpas aos consumidores e varejistas não isenta a indústria de shopping centers de tomar a iniciativa de repensar até mesmo sua essência. A consolidação da ‘omniera’ conspirou a favor dos centros comerciais, levando muitos pure players a buscar lojas físicas para estreitar relacionamento com clientes atuais e potenciais. Mas isso ainda é pouco. O processo de reinvenção dos shopping centers será bem mais profundo e disruptivo.
Um olhar para o futuro
Algumas empresas decidiram não esperar de braços cruzados o futuro acontecer. A Westfield é uma delas. Hoje, porém, a iniciativa que merece mais atenção de quem procura entender como serão os shoppings no futuro vem da Simon, que em março do ano passado lançou a Simon Venture Group, um fundo de investimento focado em novas e promissoras empresas capazes de fortalecer o posicionamento da Simon nos mercados onde atua.
Quando analisamos o perfil das 19 empresas nas quais o Simon Venture Group (SVG) decidiu investir em seus 17 meses de existência, percebemos que elas se dividem em três campos de atuação:
– Análise de Dados: o SVG investiu em empresas especializadas em publicidade orientada por beacons, em Internet of Things (IoT), em inteligência do consumidor e em tecnologia aplicada a estacionamentos.
– Omnichannel: na lista do SVG estão ainda uma empresa que desenvolveu um aplicativo para compras em lojas físicas por meio de equipamentos móveis, uma empresa de entrega em domicílio de produtos comprados em lojas físicas e uma empresa que desenvolveu um sistema para gerenciamento em tempo real do estoque de lojas.
– Recomércio: finalmente, o SVG investiu em três varejistas de aluguel de roupas.
Se o pessoal da Simon sabe o que está fazendo (e seguramente eles sabem), podemos concluir que o futuro dos shoppings passará necessariamente por um conhecimento mais profundo dos consumidores, com a consequente personalização das suas experiências. Esse futuro inclui ainda a integração dos canais online e offline, com o shopping apoiando e incentivando o omnichannel – e lucrando com ele também.
A surpresa fica por conta da aposta no serviço de aluguel de peças de vestuário, o que em tese vai na contramão do negócio tradicional dos shoppings, que é locar lojas que vendem roupas. Provavelmente essa é uma tendência de comportamento que deve ganhar mais espaço entre os consumidores, na avaliação da Simon.
A terceira onda
Nesta altura do campeonato começa a delinear-se com mais clareza o futuro dos shopping centers. Eles deverão prover mais experiências e entretenimento do que produtos e serviços. Precisarão conhecer seus clientes quase que individualmente e oferecer ofertas relevantes e customizadas. Terão que aprender a estimular a compra por impulso e a integrar os mundos online e offline. Isso tudo sem deixar de monitorar permanentemente seus clientes, para observar tendências e ajustar trajetória, quando necessário. Para alcançar todos esses objetivos, contarão com o apoio indispensável das novas tecnologias.
Nos seus primórdios, os shopping centers dependiam intensamente do marketing para vender seu conceito, para criar eventos capazes de atrair público e estimular vendas. Foi a primeira onda.
Gradualmente, o planejamento de mix foi ganhando mais importância e deixou o marketing em segundo plano. O principal fator de escolha do shopping center preferido eram as lojas distribuídas pelos seus corredores. As equipes de mix e comercialização foram os protagonistas da segunda onda.
Porém, progressivamente os shoppings começam a ficar muito parecidos uns com os outros, do ponto de vista da oferta de lojas. Ao mesmo tempo, a tecnologia tem se integrado rapidamente ao cotidiano das pessoas – elas se acostumaram, por exemplo, à comodidade de pedir um taxi, comprar uma pizza ou fazer check in em um voo com apenas alguns toques nos seus smartphones. Querem cada vez mais personalização, relevância, conveniência e diversão – tudo ao mesmo tempo e agora. E exigem essas experiências também no varejo e nos shopping centers. Estamos testemunhando a chegada da terceira onda.
Tecnologia será a estrela da terceira onda no negócio dos shoppings, e para manterem-se relevantes profissionais de marketing, comercialização e operações deverão render-se à essa realidade. Quem quiser ocupar ou manter posição de destaque no mercado, precisará entender e investir na terceira onda.
Mesmo enfrentando tempos turbulentos, que exigem muito foco no curto prazo, não podemos perder de vista os caminhos que nos levarão ao futuro. Afinal, tão importante quanto atravessar a tormenta é saber o que nos espera depois dela.
*Luiz Alberto Marinho (marinho@gsbw.com.br) é sócio-diretor da GS&BW