ESG é definitivamente a sigla do momento. Tudo bem, isso todo mundo já sabe. Surpreendente mesmo é que essas três letras estão dominando as pautas não apenas das reuniões dos conselhos empresariais ou dos relatórios aos investidores, mas de espaços em que – até há algum tempo – a conversa sobre governança ambiental e social era até importante, mas no fundo não rendia tanto.
Pois bem, agora rende. E a última edição do Cannes Lions Festival Internacional de Criatividade é uma prova disso. Realizado em Cannes, na França (a última edição terminou no dia 24 de junho), o festival é o maior encontro da indústria de comunicação criativa e traz rica programação de conteúdo com palestras, além da premiação dos melhores trabalhos do mercado publicitário. As temáticas sociais, inclusivas e do meio ambiente já vêm se destacando progressivamente no festival e, nesta, que foi a primeira edição presencial pós-pandemia, o ESG foi protagonista de novo.
Entre os temas prioritários dos debates, estavam Sustentabilidade, Diversidade, Igualdade e Inclusão. A diretora digital e comercial da Unilever, Conny Braams, por exemplo, falou sobre a urgência de se preparar os novos profissionais de marketing para os desafios da sustentabilidade.
A organização do Cannes Lions pareceu se esforçar para trazer ao palco diferentes vozes da indústria publicitária, como o líder indígena brasileiro Txai Suruí e o CEO da ONG Gerando Falcões, Edu Lyra. Entre as participações internacionais, estavam a Nobel da Paz Malala Yousafzai e o ativista político Gary Gasparov.
A mesma temática ressoou nas premiações dos trabalhos publicitários. Uma das campanhas brasileiras mais premiadas foi a do gigante varejista Mercado Livre, “Ostentação da Cultura”. Produzida pela agência Gut, a campanha é protagonizada pelos rappers Djonga e Tássia Reis e tem a intenção de reconhecer e fomentar o afro-empreendedorismo dentro do marketplace. O trabalho levou prata na categoria Entertainment for Music e bronze nas categorias Creative B2B e Creative Commerce.
Outra premiação brasileira de destaque foi o case “O uniforme que nunca existiu”, criado pela agência TracyLocke para a Centauro. Nessa campanha, a varejista de esporte faz uma homenagem à ex-atleta Aída dos Santos, que foi a única mulher brasileira nas Olimpíadas de Tóquio em 1964.
À época, Aída bancou sua própria viagem e, sem treinador nem uniforme, conquistou o quarto lugar na modalidade salto em altura. A Centauro criou para Aída “o uniforme que nunca existiu” e que, agora, é vendido em suas lojas em todo o Brasil. A campanha levou um Bronze em Glass, categoria de destaque do Cannes Lions.
Ainda na temática esporte, a Ambev conquistou o Leão de Ouro na categoria Entertainment for Sports com o trabalho #presanos80, criado pela agência Soko para a Guaraná Antarctica. O movimento traz uma denúncia sobre a disparidade salarial entre atletas do futebol feminino e masculino, mostrando que o salário das jogadoras ficou preso nos anos 80. A campanha consistiu no lançamento de uma edição especial do refrigerante com um dos primeiros rótulos da marca. A venda será revertida para a ONG Meninas em Campo, que trabalha o desenvolvimento feminino no futebol.
E por que toda essa atenção para a temática do impacto social é tão importante em uma arena como Cannes? Porque o festival é, no fundo, um reflexo das movimentações e preocupações das empresas no mundo. Na prática, Cannes mostra que, mais do que vender um bom produto, as empresas terão que olhar para fora e se preocupar com o legado que estão deixando.
E mais: que isso não pode ser apenas papo de publicitário. Se não houver um envolvimento legítimo com campanhas que entreguem algo concreto para as causas que abordam, essa geração consumidora que vê tudo com lupa não vai deixar passar batido. E “entregar algo concreto” quer dizer criar impacto positivo e real – mesmo que gere ainda mais lucro para a marca -, como o uniforme que a Aída ganhou, ou o financiamento do futebol feminino promovido pela Ambev.
Algumas empresas do varejo já entenderam o poder de influência que têm e estão usando isso para dar sua parcela de contribuição para um mundo mais justo, na lógica do capitalismo de stakeholder. Muitas marcas fazem isso pelo impacto social, e também por entender que pensar em ESG não significa necessariamente comprometer o lucro. Pelo contrário, um novo jeito de consumir, comprometido com as causas sociais, inclusivas e ambientais, já faz parte do presente.
E, claro, se nenhuma dessas justificativas servir para mudar a estratégia da sua marca, vale lembrar que uma campanha para melhorar alguma coisa no mundo pode render, pelo menos, um leão em Cannes.
Roberta Faria e Rodrigo Pipponzi são co-CEOs do Grupo MOL, Ecossistema de Negócios sociais que promovem a cultura de doação.
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