O comportamento do mercado no cenário atual e do futuro próximo estará balizado pela conjugação da realidade mundial reconfigurada pós-pandemia com os novos desafios gerados pelo avanço do digital e as transformações precipitadas por mudanças de hábitos e atitudes alterados nesse período. E tudo isso ainda desafiado pela volatilidade econômica local e global.
Parece simples sintetizar, mas esconde uma complexidade amplificada em relação ao mundo pré-pandemia pela aceleração de algumas tendências e o surgimento de novos e não previstos elementos conjunturais e estruturais.
Vamos tentar decodificar.
No epicentro de tudo, um consumidor-cidadão ainda mais racional em seu comportamento por conta dos desafios econômicos gerados pela elevada inflação – no momento, um drama global.
Na realidade local esse drama da inflação ainda está agravado pela redução da renda real, que torna o consumidor ainda mais seletivo e cauteloso em suas escolhas sobre categorias, produtos, marcas, canais e locais de compra.
E na sua vertente cidadão, no momento Brasil, as incertezas e cautelas geradas por um quadro político que potencializa as discussões sobre opções eleitorais e, pela redução do nível e confiança cumulada com altas taxas de juros e escassez de crédito, que o leva a postergar decisões de compras de bens de maior valor unitário.
O início dos pagamentos dos auxílios vai injetar recursos na economia, estimados R$ 46 bilhões, em valor menor do que houve no passado, porém num período mais curto de distribuição, beneficiando diretamente as classes de menor poder aquisitivo, mas que irá irrigar a economia como um todo.
No cenário global, com comportamento similar na realidade local, esses elementos acabam por privilegiar os conceitos ligados a valor, aqueles que oferecem mais por menos, beneficiando todas as categorias mais básicas oferecidas por operações focadas em condições mais competitivas, incluindo canais e formatos hard ou soft discount, clubes de atacado e marcas próprias orientadas para menor preço.
No Brasil tudo que esteja orientado para baixa renda nas categorias alimentos, higiene, limpeza e medicamentos deve ser beneficiado mais diretamente.
Numa perspectiva mais estratégica deve ser considerado que a combinação mencionada de fatores deve aumentar o interesse das marcas e fornecedores para criação ou ampliação de canais diretos de venda e relacionamento, por lojas, venda direta ou nos marketplaces de varejistas ou operadores independentes.
Entre os motivos mais diretos dessa estratégia, está a busca de alternativas para equilibrar o aumento da consolidação e concentração de mercado pelos maiores varejistas, que é um quadro quase que irreversível e também global.
Movimentos como o de Ambev, P&G, Unilever, JBS e outros fornecedores aqui no Brasil, que viveram forte expansão durante a pandemia, devem ser acelerados ainda mais na nova realidade, contribuindo para reconfigurar o cenário futuro.
Mas o conjunto desses fatores também leva ao surgimento, ampliação e consolidação das alternativas de integração de independentes e redes médias ou pequenas como os promovidos por Martins com a rede de negócios Smart, Rede Brasil de Supermercados com seu grupo voluntário e as franquias Dia%.
Mas nada será mais importante do que toda a aceleração envolvendo a transformação digital. O aumento da participação do e-commerce nas vendas do varejo total é apenas a face mais visível da ampla e irreversível mudança estrutural precipitada por consumidores que aprenderam, por contingência ou opção, a valorizar os tradicionais e os novos benefícios gerados pelo relacionamento em ambiente digital.
De forma ampla, tudo a que temos assistido de mudanças estruturais no setor financeiro e de pagamentos está relacionado também a isso. Tanto quanto o redirecionamento das despesas familiares envolvendo as participações nas compras de produtos e o aumento dos dispêndios com serviços, incluindo especialmente saúde, alimentação fora do lar, educação, lazer e entretenimento.
E no consumo e no varejo o resultado mais estrutural é o avanço das organizações por meio de Ecossistemas de Negócios como os que vemos no Brasil com Magalu, Mercado Livre, Americanas, Riachuelo, Renner e mais Vivo, Ambev, Porto Seguro e muitos mais, repensando e/ou redefinindo seu futuro a partir do conhecimento pleno dos comportamentos dos consumidores e seu uso em caráter preditivo.
Wrap up
O admirável mundo novo que se reconfigura de novo precipitado pela pandemia e pelo pós-pandemia, como tudo que conhecemos, gera ameaças e oportunidades e redesenha iniciativas, lideranças e participações.
Organizações entraram líderes nesse processo e saíram menores. Outras entraram menores e saíram maiores, ou talvez líderes.
Mas quase ninguém passou ileso por todo esse dramático e imprevisível processo.
O que virá à frente, com os elementos que estão hoje disponíveis, definitivamente não será mais do mesmo.
A intensidade, profundidade e amplitude dos elementos em transformação irão reconfigurar de novo o admirável mundo que emerge de cada novo período.
E tudo dependerá de como lemos os cenários em transformação e como nos antecipamos ou ajustamos às novas realidades.
Nota. O admirável mundo novo, de novo, será o tema central do Latam Retail Show, que acontecerá em versão fígital de 13 a 15 de setembro com mais de 200 palestrantes, acima de 100 horas de conteúdo e 8 pesquisas inéditas e exclusivas que ajudarão a decodificar a realidade emergente e contribuir para o repensar de caminhos para empresários, empreendedores, executivos e profissionais, especialmente os ligados ao varejo e consumo.
Marcos Gouvêa de Souza é fundador e diretor-geral da Gouvêa Ecosystem e publisher da plataforma Mercado&Consumo.
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