Os profissionais de varejo no Ocidente tendem a colocar suas marcas como o centro de todo o negócio do varejo, enquanto o modelo chinês, especialmente o Grupo Alibaba, acredita que o peso em importância de todo ecossistema* do varejo é similar ao peso do próprio negócio.
Essa é uma das lições já aprendidas no Alibaba Netpreneur Masterclass Latam 2023 (que está acontecendo virtualmente até meados de maio), um curso online de seis semanas, com pelo menos oito horas de estudo semanal, ministrado pelos professores do Alibaba Global Initiatives direto de Hangzhou, na China.
O evento é destinado a médios e pequenos empresários da América Latina, C-Levels ou fundadores de negócios, que tem de alguma forma a intenção de trabalhar com a plataforma ou estabelecer relações comerciais com a China.
Os profissionais foram inicialmente selecionados e depois aprovados pelo Alibaba para conhecer com mais profundidade seu modus operandi (e eventualmente ter uma relação de negócios com eles), além de uma imersão na cultura comercial chinesa a partir do avançado recorte digital daquela sociedade.
A audiência tem uma oportunidade única de ouvir e aprender “direto da fonte” sobre as melhores práticas e capturar insights do e-commerce, do comportamento da economia digital chinesa, do papel da inovação nos negócios e do empreendedorismo chinês.
Já posso dizer que o conteúdo é incrível não só porque a gente descobre a lógica por trás de um dos maiores negócios do mundo da atualidade, mas porque o curso dá um panorama bastante claro do que é hoje a sociedade de consumo na China e o quanto o liberalismo** chinês tem moldado o seu estilo de vida.
O pragmatismo e o foco chinês
Posso falar por mim, mas acho que a maioria de nós pode ter construído no imaginário um repertório relativamente equivocado sobre os valores, o lifestyle e o lado profissional dos chineses. Pirataria ou counterfeit, mão de obra com um padrão duvidoso e por aí vai, mas, como diz o bom ditado chinês, “a sombra é maior quanto maior for o sol”.
Não à toa que a China é hoje a segunda maior economia do planeta, com o maior número de patentes registradas (propriedade intelectual) em todas as categorias pesquisadas pela Wipo International (World Intellectual Property Organization), que reúne mais de 150 países.
A China detém hoje 38% de todas as patentes registradas, enquanto os Estados Unidos têm 18% e o Japão, 16%. Dos 38% de share dentre as 35 categorias pesquisadas, a China está em primeiro lugar em registros em 29 delas (sendo que em “Computer Technology” é a primeira em registros disparada na frente dos Estados Unidos).
Já deu para notar que tem uma ponta de entusiasmo neste artigo, mas dizem que, quando a expectativa é baixa, o gap entre imagem e realidade fica ainda maior. Talvez seja o caso. Minha “guarda” estava muito alta com o curso e com os chineses no sentido de aprendizado. Confesso que está sendo uma surpresa enriquecedora.
3 lições fundamentais aprendidas (até agora)
Além da primeira lição descrita no primeiro parágrafo, que repito aqui – “valorize o ecossistema tanto quanto o negócio que você está gerindo” -, outras tantas lições e insights apareceram nessas duas semanas de curso. Seguem alguns:
1 – Pessoas, pessoas e pessoas
A visão bélica do marketing tradicional parece ter ficado para trás na visão do grupo. Vamos lembrar que todas as estratégias do marketing no Ocidente advêm da guerra. Os termos são da guerra “target”, “lançamento de campanhas” e “conquista de mercado” são exemplos dessa abordagem.
Para o Grupo Alibaba, a cooperação é elemento fundamental para o progresso individual e coletivo e a cultura empresarial é um asset tão importante quanto os objetivos de negócios.
Muitos desconhecem que a Alibaba, criada em 1999, era uma empresa focada apenas em negócios B2B até 2003, ano em que a epidemia de Sars levou a população chinesa a ficar em casa, assim como a de covid-19, em 2020.
Foi então que Jack Ma e seus sócios decidiram lançar a plataforma Taobao de vendas B2C, para ajudar os pequenos e médios empresários a sobreviverem num país totalmente em lockdown. Hoje ele é nada mais nada menos que o maior marketplace do mundo.
A história é mais longa e complexa que isso, mas vale deixar o traço de altruísmo do Grupo como o “valor chave” da empresa.
2 – Aprender com a concorrência
Pode parecer ingênuo colocar esse tema como aprendizado, mas, ao menos para o Alibaba Group, essa é uma atitude que foi a espinha dorsal para sua criação. O Ocidente (e seus negócios) foi e ainda é uma grande inspiração para os negócios do Alibaba.
O início de tudo, ou seja, o “spark” de genialidade de Jack Má para o início do que acabou se tornando a maior plataforma de e-commerce do mundo aconteceu quando ele morava nos Estados Unidos -lembrando que ele era professor de inglês antes de fundar com mais 20 sócios o que hoje chamamos de Alibaba Group.
Essa atitude de observar e assimilar o que é bom, sem restrição ou vaidade, está no DNA do Alibaba.
3 – Filosofia TAO
O olhar para os negócios e para as melhores práticas do Ocidente, conforme mencionei no aprendizado anterior, foi algo que me surpreendeu. No entanto, encontrei outras similaridades com o ocidente nos conceitos empresariais, como a visão por “quarters”, plano de negócios de 3 e 5 anos, a construção da Missão, Visão e Valores da empresa como bússola corporativa, movimentos de agregar valor à marca e por aí vai.
Mas o que realmente me chamou atenção foi o uso do conceito oriental do TAO, que considero extremamente sutil e que deve estar intimamente ligado àquela cultura.
O princípio TAO está baseado no diagrama do Yin-yang que expõe a dualidade de tudo que existe no universo. Descrevem as duas forças fundamentais opostas e complementares que se encontram em todas as coisas: o yin é o princípio da noite, da lua, da passividade, da absorção, da observação. O yang é o do Sol, do dia, da luz e da atividade intensa.
Mas o que isso tem a ver com os negócios? Jack Ma aplica esse princípio como uma espécie de alavanca de evolução. Por trás do diagrama TAO estão duas palavras importantes para os negócios, para os funcionários e para a comunidade: harmonia e interconexão.
Para Jack Ma e sua equipe, o equilíbrio nos negócios se dá à medida em que os gestores abraçam as contradições que se apresentam e a partir delas se colocam à disposição para solucioná-las. E usam sem medo, até chegar no equilíbrio, a equação de somar e subtrair para chegar a um equilíbrio.
Pense o que está indo mal no seu negócio. Agora, mentalize seu oposto. E como você quer chegar ao equilíbrio. Para ele, o equilíbrio no mundo é uma confluência de opostos.
Dito isso, vale destacar que esse artigo se propõe apenas a ilustrar minha percepção sobre a experiência até agora com o curso. Não vou entrar nas questões práticas e execucionais para os negócios como importação e exportação de bens da China para cá e para a China, uso comercial da plataforma, a teoria da estratégia digital chinesa e do Alibaba e mais um punhado de outros assuntos relevantes para os negócios que são o “core” do curso.
*ecossistema leia-se logística, pagamento, colaboradores, usuários, estoque, plataforma, omnichannel etc.
**Observo aqui que o foco do curso é aprofundar mais sobre quais são as camadas de negócios do ecossistema Alibaba e de suas empresas e, por isso, minha impressão deixa de lado quaisquer especulações ou críticas políticas.
Ulisses Zamboni é chairman e sócio-fundador da Agência Santa Clara.
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