O varejo alimentar (super, hiper, mercado, mini, conveniência, hortifrutis, entre outros) a cada dia aprofunda o seu conhecimento sobre o consumidor usando a tecnologia para acelerar movimentos estratégicos ligados ao desenvolvimento de produtos em marca própria, reconfiguração de lojas, precificação e potencialização da experiência dos consumidores.
Já houve quem apostasse que o varejo alimentar em sua forma clássica assumiria apenas o papel de marketplace físico, operado pela indústria, devido a uma possível perda de relevância para os consumidores.
Mas, mesmo com o crescimento do conceito Direct to Consumer/B2C representado pela venda da empresa produtora (indústria) diretamente ao consumidor final (por exemplo: Swift, BRF, Nestlé), que poderia ser encarada como concorrência, há uma forte malha de colaboração sendo ampliada e amparada por tecnologia para que as indústrias atuem conjuntamente na otimização dos resultados dos seus clientes varejistas.
Temos um cenário antagônico e complementar e nesse momento não há como determinar o que prevalecerá.
A empresa Aryzta, por exemplo, criou o conceito denominado Padaria Nota 10. Já inaugurou três lojas dentro de uma rede de supermercados e segue em ritmo acelerado rumo a um ambicioso plano de expansão. O formato inclui o desenvolvimento completo de mix de produtos para a padaria do supermercado, operação e gestão por indicadores. Tudo isso com integração tecnológica transparente entre varejista e indústria para garantir a melhor margem e potencializar a qualidade do atendimento ao cliente. O modelo de negócios e tecnologia foram desenvolvidos pela Aryzta com apoio de empresas especializadas e startups.
Soluções tecnológicas, amplamente difundidas no varejo de moda, por exemplo, migram para o varejo alimentar. A empresa Centric Software, com seu o PLM (Product Lifecycle Management), promete atuar como conectora de dados, permitindo ao varejista usar tudo o que ele já tem disponível em seu ecossistema para dar vistas às suas respectivas equipes, seja para atuação individual, no caso do desenvolvimento de marca própria ou colaborativa, seja apoiando seus fornecedores com dados que subsidiem a criação de produtos e soluções mais adequadas aos consumidores.
É válido ressaltar que o movimento de desenvolvimento de marca própria deve ganhar contornos cada vez mais agressivos no varejo alimentar brasileiro. Segundo dados da Associação Brasileira de Marcas Próprias e Terceirização (Abmapro) de julho de 2020, a categoria de marca própria cresceu 10% em relação a 2019. O cenário de recessão pós-vacina deve contribuir ainda mais para esse crescimento.
Em evento em 24 de março em que atuei como mediadora, Silvana Balbo, diretora de Marketing do Carrefour Brasil, ilustrou amplamente o quanto os times da empresa dedicam-se a desenvolver produtos com o menor preço, maior aceitação pelo consumidor e, principalmente, com a melhor qualidade nutricional. É uma visão integrada às premissas do programa mundial Act for Food, cujo objetivo é oferecer alimentos de qualidade aos clientes, adicionada das preocupações ligadas à sustentabilidade e ética na cadeia.
A rede americana Trader Joe’s, fundada em 1.958, possui um mix de apenas 4 mil itens (em geral o varejo alimentar oferece 50 mil itens aos consumidores). Desses, cerca de 80% dos produtos são de marca própria. A rede possui mais de 500 lojas espalhadas em cerca de 42 Estados americanos e segue continuamente investindo no aprimoramento dos seus produtos.
Certamente iniciativas desse tipo devem preocupar as indústrias, especialmente se os varejistas buscarem especialistas para seus times e usarem todo arsenal de dados que orbitam os seus ecossistemas. Porém, não é só converter uma categoria a marca própria. O sucesso depende dos tópicos citados pela Silvana e, também, da confiança, experimentação e aceitação pelo consumidor.
Em entrevista recente do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, ouvi a frase: “O bom líder não é quem fala, mas quem fala e ouve.” Então, se queremos ter um varejo alimentar mais maduro, transparente e competitivo para atender ao consumidor pós-crise, vamos “ler e ouvir” o que os dados têm a nos dizer.
Cristina Souza é CEO da Gouvêa Foodservice.
Imagem: Bigstock/Arte/Mercado&Consumo